sexta-feira, 29 de maio de 2020





texto ignoto > restless | new order

não tenho forma. por mais que pense.
não tenho para onde enviar este texto. simplesmente porque não tenho destinatário.
não tenho motivo para pensar que alguém o queira ler ou receber.
assim sendo escrevo-o apenas para mim.
vou guardá-lo entre todos os outros que fui escrevendo ao longo do tempo... e que ficaram perdidos... por assim dizer... ou fazer com alguém como todos os outros, que não apenas eu.

as coisas têm um princípio e um fim...
sem sabermos, quando estamos no fim de algo... já iniciámos um novo caminho... um novo ciclo, um novo princípio... que ainda não é perceptível ou visível... mas simplesmente existe. está lá.

não tenho forma, não tenho outra forma por mais que pense.
não tenho como finalizar este texto, simplesmente porque não há destinatário, algum. nenhum.
tenho motivo para pensar que ninguém... nunca, nada interesse e alguém o pretenda ler.
assim termino por aqui.

terça-feira, 26 de maio de 2020


na piscina > control addict | cabaret voltaire

há que haver uma certa regra e disciplina.
mas igualmente interesse. 
só assim se conseguirá prosseguir... escrevendo.
a escrita exige regra. regras para ser mais preciso.
mas igualmente disciplina, já que quase tudo o que produz, entenda-se, o que se escreve... é simplesmente inútil... lixo mesmo.
o simples acto da escrita é um acto duro...
por vezes nem se sabe por onde começar... o que escrever... simplesmente como tudo irá terminar.
é um acto duro... sobretudo se não estivermos a falar de algo concreto...

o simples acto de se escrever exige do escritor a mesma carga e entrega do que quando se descobre e ouve um disco dos cabaret voltaire...
é como aprender a nadar no lado mais fundo da piscina...
é mais arriscado e perigoso...
mas igualmente muito mais estimulante e tentador...


sexta-feira, 22 de maio de 2020





à chuva > only rain | no-man


foi mais ou menos assim...
foi mais ou menos assim que tudo começou... entre nós.
decidi correr esse risco... e simplesmente tentar seduzir-te...
não, seduzir não é o termo certo... sobretudo porque até eras nessa época comprometida...
não, não queria ser mal interpretado... 
apenas desejava não cair no esquecimento... no teu esquecimento...
e a medo avancei... intranquilo...
queria sobretudo isso... marcar uma posição... a minha.
o meu interesse e desejo em ti.
e decidi correr esse risco... arriscar toda uma vida... a minha.
que não a tua.
a ti... bastaria ignorar...ou simplesmente fazer-te despercebida...
tinhas um projecto de vida a começar...
era-te fácil simplesmente ignorar... fazer-te desentendida...

passou-se todo um verão... surdo...
simplesmente em silêncio.
e aí... comecei a desistir...
nesse silêncio mudo... em tudo se tornou...
a realidade era evidentemente outra... que eu não queria ver...
até que no outono desse mesmo ano... o reencontro...
e a frase que jamais esquecerei... pelo reparo...
naquele jardim ao fim do dia... a momentos de se iniciar um concerto...
cortaste o cabelo... 
no início do desejo mais desejado...

what can I say?
a million ways to stay the same
day after day a million ways to pass the blame
you catch me and hold me
no more fountains, only rain








toda a semana > on your own | githead


1um
durante toda a semana tentei contactar-te. em vão...
diversos telefonemas... mensagens... resultaram, em nada.
não deve estar cá... pensei, logo tu que me costumavas devolver as chamadas com prontidão...
precisava de falar contigo... sobretudo gostaria de te rever.
passaram alguns meses... diria mesmo anos, desde a última vez que nos sentámos para partilhar um café e uma tranquila conversa...
senti essa necessidade, essa vontade. conversar com alguém que eu sabia... conversar com alguém que me ouvisse. 

2dois
viam-se à distância... as migalhas em cima da mesa... o descuído, pensei...
como é não iria alguém reparar nisso... imensas migalhas na mesa...
mas adiante...
a casa era uma desarrumação enorme... com roupa espalhada um pouco por todo o lado...
à medida que andávamos, ia apanhando peças de roupa assim, avulso... e desculpando-me constantemente pela desarrumação que reinava...
imaginei que poucas vezes receberia visitas... ou simplesmente não se importava com tamanha desarrumação...

3três
da janela da sala avistava-se ao longe o rio...
quieto e distante... transportava e trazia uma serenidade aquele espaço... por muito caótico que estivesse...
indagou-me se pretendia algo... um café, um chá mesmo...
e rapidamente desapareceu... alegadamente para ir trocar de roupa... dado que fazia muito calor naquela tarde...
ouvia-a ao longe ao telefone... frases por vezes entrecortadas por uma alegria que nunca lhe reconhecera...
quando regressou após o fim da chamada... surgiu sorridente... apelativa...
sentia-a diferente, aparentemente mais segura...
a idade fizera-lhe bem...
drástica e profundamente...

4quatro
da janela do seu quarto avistava-se a torre da igreja.
a cama era grande e larga... pousado sobre as almofadas um livro que jamais esqueceria... o estrangeiro de albert camus...
leitura garantida para toda a semana...










algo > will we survive? | swans

sinto. sinto-o. digo-o sinceramente.
sinto que é inevitável... sinto que nos estamos a aproximar.
será inevitável a nossa aproximação...
estamos próximos... mais perto um do outro. 
sinto uma maior cumplicidade... até talvez uma maior atenção e entrega.
sobretudo nota-se uma maior disponibilidade...
até por uma maior concordância de interesses... que anteriormente não existia...

no último encontro... bebemos um café ao fim da tarde... e partilhámos um disco que lhe entreguei... e que fiz menção de lhe referir... 
ouve sobretudo o disco todo de seguida... integralmente... vezes sem conta, de preferência noite dentro. é viciante...

foi quando alguém vindo do nada surgiu e calmamente disse, sem desconforto... raiva ou simplesmente resignação mesmo...

deixa que adivinhe...
já não há nada entre nós... porque há algo entre vós...

sexta-feira, 15 de maio de 2020




naquela noite > atlas of hands | the wave room




sejamos sinceros.

o objectivo era ajudar. esse sempre foi o objectivo primordial... principal.
foi. foi assim. tal e qual como te contei naquela tarde... tranquilamente sentados naquele café... a luz morna de uma tarde de primavera...
as cadeiras de madeira brilhantes... que reluziam ao entardecer.
no fundo tudo se resumia a isso mesmo... e apenas...
em suma, fui surpreendido. 
enganado, não.
não imaginava ao que ia... o que se ia de facto passar. apenas pretendia ajudar.
ter uma conversa franca, tentar entender o que se passava e tentar ajudar...
antevi mesmo alguns passos. 
não, não fui surpreendido. de todo.
simplesmente deixei-me ir... deixei acontecer. não me importei... 
sobretudo não atribui importância, alguma. nenhuma.
deixei-me arrastar para um final antecipado... como se de um filme já visto se tratasse...
um último cigarro apagado... os adereços do costume.
o hálito quente e húmido... a respiração nervosa e ofegante... e o gosto a tabaco...
a luz que se desvanece... e as palavras gastas que já não se pronunciam...

sejamos sinceros.
o objectivo era ajudar. esse sempre foi o propósito primordial...
acreditem. o objectivo era ajudar.
depois tudo se complicou...





quarta-feira, 6 de maio de 2020














florian schneider > 1947 | 2020



toda a gente morre, eu sei.
um dia toda a gente morre... todos temos de morrer, eu sei.
mas hoje morreu o florian schneider e isso quer dizer muito.
quer dizer que para mim, como para tantos outros da minha geração... morreu uma referência, a minha escola em termos de formação musical...
desculpem... não morreu uma escola, mas a escola.
lamento...