quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

oiço nada > transit | pieter nooten





oiço nada > transit | pieter nooten


não oiço nada. 
não oiço nada. que se lhe compare.
esta música parece infindável... penetrar em todos os póros e recantos em mim.
são melodias assim, demasiado viciantes... que tudo preenchem e proporcionam...
o pieter nooten tem essa magia, essa destreza e capacidade... de nos obrigar a deixar tudo o que estávamos a pretender fazer... para simplesmente nos dedicarmos a tudo o que ele fez e faz.
nunca deixa no entanto de ser surpreendente... de nos surpreender...
mesmo que a eficácia e destreza se mantenham e permaneçam... sobretudo a sensibilidade e fragilidade... algo de inesperado surge e está lá... e gera um efeito de surpresa.
todas estas melodias são demasiado frágeis para carregar... mas envolvem-se em nós... entrelaçam-se e não nos permitem, a possibilidade sequer... de algo mais realizar. do que isso mesmo... escutar.
e obrigam a renunciar a tudo o que é e passa a ser supérfluo... transitório... efémero e desnecessário...
existe aqui uma delicadeza perene... que tudo transforma e toca...
existe nestas melodias uma fragilidade... uma sensibilidade e tristeza tocantes... 
embora as melodias sejam sempre poderosas e fortes... mas a melancolia que emana é e torna-se... um ciclo viciante... que nada permite...
oiço nada...
porque mais nada oiço...


terça-feira, 27 de dezembro de 2022

aos dez anos > the wait | ólafur arnalds



















aos dez anos > the wait | ólafur arnalds

aos dez, doze anos aconteceu eu desinteressar-me pela minha existência.
despegar-me.
desinteressar-me mesmo.
achar tudo tão diverso… tudo tão diferente…
achar-me tão invulgar… que sem interesse algum… nenhum.
e aí não mais liguei… desliguei-me.
isolei-me… e, dei-me bem.
habituei-me… e tudo se foi encaixando… enquadrando… e tornou-se estranhamente confortável.
e familiar.
 
por volta dos dez anos aconteceu eu desinteressar-me pela minha existência.
e simplesmente surgiu logo aí a desistência…
cedo percebi o desencanto… e a adversidade. sobretudo a finitude. e deixei-me ir, derrotado… desinteressado.
o próprio conceito de família esfumou-se… e também aí entendi…
o engano… a teatralidade que socialmente se vivia…
a mentira. o simples e inofensivo engano.
o engano que construía a mentira não era apenas a ausência de uma verdade, de uma força que eu acreditava que tudo unia…

e essa fortaleza que me rodeava aparentemente desmoronou-se... e a segurança em que me imaginava a crescer... seguramente desvaneceu-se... e fiquei mais só ainda. solitário nessa aparente calma que reinava e tudo informava... 

existia em mim um sentido de tranquilidade perfeita, embora mais tarde tenha descoberto que era simplesmente periférica…
a harmonia que eu tanto apreciava… era mais indiferença e indiferente do que alguma vez pude imaginar. era ingenuidade minha apenas…
havia efectivamente uma tranquilidade… e uma serenidade absolutas… deviam-se creio a um pacto estratégico… e mútuo de não agressão.

e mesmo agora que escreve e recordo estes episódios de uma adolescência estranha e serena... oiço ólafur arnalds... the wait... 
nesse lote dessas melodias que ajudam a sarar... e fazem companhia a estes pensamentos que fazem e constroem a minha vida... e por muito que custem... saram e cicatrizam as memórias que nunca se afastam... e ali permanecem... para um qualquer outro dia regressarem até mim... 
e eu sei dessa rotina... e aguardo... 
e com estes antídotos tento reviver... todos os momentos que uma vez já vivi...
e igualmente recordo a escrita de patrick autréaux na singulariidade das palavras... em que afirma que... escrever é ser levado ao lugar que gostaríamos de evitar...

aos dez anos...

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

assim só > pensive aphrodite | harold budd & clive wright





















assim só > pensive aphrodite | harold budd & clive wright

sim, eu sei.
a culpa é minha.
ponho-me para aqui a ouvir o harald budd... e simplesmente afundo-me. vou mesmo fundo, vou mesmo ao fundo.
mas aqui é tudo demasiado nobre e bom... e eu não consigo evitar, e entro, e avanço.
deixo-me ir, assim por dizer... e fico. nesse fundo isolado. nesse escuro onde me disconecto... e ali fico e premaneço.
permaneço nesse lugar sombrio que o harald budd tão bem sempre soube construir...
a solo... ou na companhia estratégica do robin guthrie... do john foxx... dos eno... o brian e o roger... do clive wright... os cocteau twins... e de tantos outros majestosos músicos que tão bela, serena e melancólica música souberam construír...

agora acabou, esfumou-se...
o harold budd já não existe... morreu há  2 anos... o que inviabiliza nova matéria musical... embora tenha deixado imensos discípulos... que mais não seja, um pouco, em todos aqueles que com ele colaboraram...
e o david sylvian ali tão perto... 

e quando se morre assim e deixa este enorme legado vivo... nunca se morre em vão...

ninguém > no one | the psychedelic furs



ninguém > no one | the psychedelic furs 



é espantoso...
como as pessoas se interessam... e desinteressam...
como se ligam e desligam.

como de repente e vindo do nada... se conectam... e fundem...
e questionam... e aprofundam... e obviamente se interessam... e intervêm...
e conseguem manter um diálogo e uma ligação... quase familiar e por vezes até diária...
e entra-se num novo estado... um ciclo quase familiar onde tudo se torna rotina...

constroí-se uma cumplicidade...
alimenta-se uma verdade... acredita-se e imagina-se... e idealiza-se...
há parcerias... alegrias... por vezes até fobias...

é espantoso...
como as pessoas se interessam... e desinteressam...
como se ligam e desligam.
como se conectam e desconectam... ou não fossem todos seres humanos...
bastava-nos ser simplesmente animais, para ser melhor...
não deixa de ser espantoso...


sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

ano fatídico > falling | julee cruise


ano fatídico > falling | julee cruise 


falling...
failing.
este ano de dois mil e vinte e dois tem sido perverso... sobretudo adverso para os que gostam do eterno twin peaks... de david lynch.
em junho perdemos a julee cruise... agora mesmo o angelo badalamenti...
ambos estratégicos e peças fundamentais nesses idos anos de 80... em que surgiu a mais interessante e intrigante série televisiva até aí vista.
e estranhamente ou não... sobretudo pela ausência de escolha e diversidade... 
tornou-se estranhamente popular. e consensual. 
pese embora o facto de imensas pessoas a terem visto e acompanhado... simplesmente porque não havia então mais nada para ver. não havia escolha, porque não havia alternativa.
e são esses mesmos personagens fascinantes que agora se perdem e evaporam... 
e isso muda muito... porque em certos casos muda tudo.
e mais uma vez... como em todas as vezes, restam e ficam as memórias.

falling...
failing...
ano fatal... ano fatídico.


segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

falta pouco > head in a cave | swallow













falta pouco > head in a cave | swallow


já falta pouco.
falta um mês. apenas isso.
para efectuarmos a mudança... de novo, a mudança.
desta vez mais radical. diferente.
muda tudo. 
mudam as pessoas... os hábitos... as rotinas... o lugar.
sobretudo o lugar... mas igualmente a escale e a dimensão. do espaço. da casa.

de uma habitação demasiado generosa... para muito pouco... quase nada.
a dimensão importa.
e eu, que nem nunca fui a favor de casas demasiado grandes... habituei-me.
espaços demasiado grandes tornam-se pouco... menos confortáveis...
mas demasiado pequenos... igualmente ou mesmo pior.

custa a mudança... sobretudo a transição.
os hábitos... custa, demora a habituação...
uma habitação não é uma casa... a nossa casa... sobretudo porque demora a habituação... as rotinas... os lugares, o conforto... mesmo os vizinhos e a vizinhança. 
a vizinhança faz os hábitos... traz e constrói as rotinas.
e aqui dificilmente me irei identificar... me irei rever. 

muda-se assim de casa, para uma nova habitação...
que um dia espero poder também chamar de casa.




 

outra vez > cut | low













outra vez > cut | low


ultimamente havia-me afastado um pouco deles... não os escutava tanto como antigamente.

perdera inclusivamente o rasto às suas novas publicações.
não sei há quantos discos isso vinha acontecendo. 
sei no entanto que por vezes nos escaparates das discotecas me confrontava com novos registos seus. mas a chama que anteriormente tanto me apelava para a audição dos seus registos... havia-se esfumado... não sei exactamente porquê. ou até talvez saiba.
o seu registo inicial foi tão forte e avassalador... provocou um impacto tão grande em mim... que todos os que lhe sucederam... foi-lhes impossível igualá-lo, muito menos superá-lo.
e a assunção dessa realidade fez-me ficar lá atrás, no passado... nesse passado que eu idealizara... retornando sempre a esse primeiro registo... de seu nome, I could live in hope...

obviamente que estou a falar dos low... e da recente morte de mimi parker... 
vem isto a propósito da partilha do post de zak sally... em sua memória e homenagem... num texto pungente... doloroso e comovente, onde perpassa a vida em comum dos low...
diria que mesmo sem recorrentemente os escutar... sei que me irão fazer falta... como sempre faz falta quem cria e constrói simbolicamente algo de bom. muito bom neste caso específico...
dúvida alguma não me resta. nenhuma.


quinta-feira, 10 de novembro de 2022

o desenho e o enigma > confusing | november


 











o desenho e o enigma > confusing | november 


vem isto a propósito, de arrumações... selecções e depurações...
tenho estado a descobrir, a redescobrir tantos livros, textos, documentos... fotografias...
e consecutivamente encontrei um caderno com desenhos... e fixei-me neste.
que deverá obviamente representar algo. que não reconheço... 
tão pouco consigo encontrar-lhe significado... nem sequer qual a sua orientação.
resulta igualmente enigmático em qualquer posição...
assim sendo, ficará nesta...

e vem isto a propósito de quê, pergunto a mim mesmo.
é que igualmente me deparei com imensas revistas para seleccionar... o que me possibilitou rever artigos e mesmo revistas inteiras de que já não me lembrava.
vagarosamente folheei um número da revista arquitectura portuguesa, cujo título era exactamente esse mesmo... desenhos de arquitectos. revista do verão de 1986, creio...
obviamente que me demorei com a sua observação... e a constactação mesmo a esta distância... pareceu-me óbvia...
a escala de alguns exemplos... a fluidez e naturalidade de tantos outros... mesmo a "modernidade" de outros ainda... mas sobretudo a intemporalidade de poucos... 
o fascínio do registo do joão santa-rita não me surpreendeu. de todo.
o joão sempre foi um desenhador exímio... os seus desenhos são fascinantes... enigmáticos por vezes... mas sobretudo excelentes...

vem isto a propósito de quê... questionam alguns...
tudo isto vem a propósito da depuração... de uma escolha obrigatória, mas pouco criteriosa... assente sobretudo em questões mais emocionais do que racionais...

a seleção criteriosa continua em aberto, mas sem qualquer critério...

terça-feira, 8 de novembro de 2022

imagens em coma > before you go | eyeless in gaza





imagens em coma > before you go | eyeless in gaza


por vezes é assim.
demasiadas vezes é assim, diria mesmo...

hoje acordei com esta sensação, e disse a mim mesmo...
tenho de telefonar à minha mãe.
e esta ideia é recorrente... recorrente, não.
mas perpassa na minha mente... talvez uma a duas vezes por ano...
o problema... o problema é que mesmo que o quisesse... já não poderia ser possível...
ninguém atenderia. a minha mãe já morreu.

já nem sei mesmo o número de cor... embora ainda tenha o registo no meu telemóvel...
tenho, não um, mas dois registos...
o número de casa e o do seu telemóvel... e interrogo-me...
porque tenho tantos números registados de pessoas que já não existem?...
porque tenho estas ideias cíclicas de impulsivamente querer falar com quem já não está...
porque tenho tanta dificuldade em simplesmente apagar esses registos da minha lista de contactos?
será que tenho receio que as pessoas desapareçam da minha vida... mesmo quando já não existem... 
será presença?... será simplesmente a ausência...

chego à conclusão que tenho um telefone repleto de números inertes... porque inúteis.
tenho um lista de endereços de pessoas que foram ficando incontactáveis...

chego à conclusão que tenho um telefone que mais parece um cemitério.
cheio de contactos de pessoas que ainda existem em mim... 
mas que impossivelmente consigo contactar...
e que apenas me remetem para memórias...

e as memórias serão elas mesmo ainda vida?... 
ou simplesmente apenas vida que já foi vivida...



domingo, 6 de novembro de 2022

más notícias > words | low






más notícias > words | low


nunca sabemos de onde vêm... ou quando chegam. 
as más notícias. 
mas chegam sempre. 

hoje é um dia triste. 
trago más notícias... 
porque me transmitiram más notícias...
os piano magic trouxeram-me más notícias.

morreu a mimi parker... que fundou os low com o marido, alan sparhawk... o núcleo, a matriz... a essência, a alma onde residem os low.

agora nada mais será igual.
porque não pode... já não pode mais ser igual.
deixou de ser possível...
tornou-se impossível...



quinta-feira, 27 de outubro de 2022

eu vou aí > here by chance | breathless




eu vou aí > here by chance | breathless


eu vou aí.
não esqueci o postal que compraste para mim...
eu vou aí, na realidade estou já a caminho.
e no entanto preciso deste tempo para decidir como devo aparecer... parece estranho, é sempre estranho como tudo em todas as histórias de reencontros.
mudei de casa... mudei de bairro... mudei até de emprego na realidade. despedi-me. e até cortei o cabelo.
ainda não me viste com o cabelo curto, acho que nunca me viste com o cabelo tão curto... se calhar nem me reconheces... ou sequer, quero que me venhas ver... ou talvez até queira... mas não sei se podes ou deves...

abandonei aquele subúrbio decrépito onde me conheceste, saí da periferia. vivo agora num velho bairro consolidado da cidade... povoado de imensas e estreitas vielas... e de uma população idosa... simpática e sempre disponível... e confesso... talvez demasiado curiosa... para a minha exigência de privacidade...
escreve-me outro postal... como o último, o único desde que partiste...
talvez seja a melhor solução... talvez seja mesmo a única solução, para continuar a enganar esta maldita e confusa desesperança...

quando chegar talvez te telefone de um qualquer café perto da estação... nesta viagem imprópria. 
mas não digas nada, tudo é ainda profundo como o silêncio, como o tempo...
ainda hoje associo o sacrifício desta viagem à memória de uma canção que teima e resiste em me acompanhar e, vicia...
já não me lembrava da voz... excepto talvez da melodia doce com o cansaço do tempo... here by chance... breathless...

desculpa... já quase me esquecia... parabéns!...


 

anúncio classificado > tender is the night | bill nelson

 




anúncio classificado > tender is the night | bill nelson


anúncio classificado, publicado num jornal popular de tiragem duvidosa:


o preço da diferença é a solidão.
o preço da solidão é o silêncio.
não oiço the smiths. porque não quero.
no entanto...
como te poderei encontrar se apenas sei que a gabardina é azul...

assinado: amoras e ameixas

o amor silencioso> raein | ólafur arnalds





o amor silencioso> raein | ólafur arnalds

não é vergonha.
é talvez arrependimento. 
o não ter sabido expressar da melhor forma os meus sentimentos. 
da forma mais óbvia. e fácil ainda por cima.
mas não.

pertenço a uma geração de transição.
a dos rapazes que eram ainda educados a não mostrar os seus sentimentos evidentes.
a serem rebeldes com as raparigas e tendencialmente a ignorar a sociedade em si.

ao meu pai apenas lhe vislumbrei um dia uma espécie de lágrima ao chegar a casa após mais um regresso de um internamento hospitalar.
ou o brilho no seu olhar sempre que se referia a nós, os seus filhos, e a qualquer disparate que fosse erigido naquele quarto de que tanto orgulho ele tinha...

como o nick cave referiu recentemente numa entrevista...
sou de uma geração em que os músicos tinham a obrigação moral de ofender as pessoas...

e todos nós, digo-o eu... os descendentes do movimento punk, que em nada veio ajudar a colmatar isso... antes pelo contrário.
a obrigatoriedade da contestação, a rebeldia não mais nos permitiu estar em harmonia e sintonia familiar...
havia uma urgência na discórdia... qualquer assunto servia de eterno confronto e conflito. 
existia já sobretudo um desvínculo propositado... um desligar dos antecessores, uma distância prevista e propositada... desproporcional... mas nada comparável com o que se passa na actualidade.

esse mesmo conflito de gerações agudizou-se por vezes... mas nada mais aproximou.
apenas muito mais tarde... alguns de nós já mesmo depois de terem perdido os familiares... e não, sem nunca lhes ter sido possibilitado expressar a razão que tantas vezes lhes assistia...

foi uma juventude plenamente vivida... onde o futuro contava para nada... a urgência estava toda depositada no presente... 
o próprio movimento isso tinha como mote e nisso insistia e fazia alarde... no future.

agora todos estes anos volvidos... tal como provavelmente o nick cave e tantos outros que até aqui chegaram da minha geração... vivencio o outro lado desta serenidade que gostava de ver instalada... e que não se consegue... porque os conflitos de gerações são eternos e nos possibilitam e permitem avançar e consolidar todas as experiências e ensinamentos que nos foram algures no tempo, transmitidos... e coexistem com o sentimento absurdo de que na juventude as regras existem para ser quebradas.

e isso, definitivamente não é vergonha.
é estrutural.
e não é uma questão de ficar melhor ou simplesmente tudo bem. 
é antes de aceitar.
sobretudo antes que seja tarde demais...







 



estória vulgar > praise (pratah smarami) | david sylvian



estória vulgar > praise (pratah smarami) | david sylvian


conheci-a... assim só, numa noite.
através de uma amiga comum. num bar escuro e atarracado... onde parecia estarmos todos encavalitados... literalmente em cima uns dos outros.
entrou... sentou-se e meteu conversa comigo... era o que estava mais perto da entrada... e estava realmente só.
até aí, não havia gostado nada da saída dessa noite... até porque eu nem sou muito de sair com frequência...
o jantar havia sido um fiasco.
realmente haviam escolhido um restaurante tão caro... e a comida... bem, é melhor nem falar...
e depois todas as pessoas surgiram acompanhadas... apenas eu, não.
traindo essa nossa promessa... de um jantar só, de amigos...
mas, mesmo que quisesse... em última instância não podia... não teria companhia para levar.
há muito que vivia só... e já não estranhava... habituara-me à minha presença e companhia apenas. vivia bem assim.
mas nessa noite, não.

ela pediu uma bebida e estranhou eu estar ali só... na presença de uma garrafa de água gaseificada...
falámos dos nossos empregos...sim, porque eu tenho um emprego... um serviço, como no gozo lhe costumo chamar...
falou-se de música e do conservatório...
foi quando confessou que tinha estudado música... uma licenciatura no conservatório.
e prometeu levar-me a sua casa para me mostrar o violoncelo que havia comprado em paris.

duas horas mais tarde já estava na cama comigo... a partilhar uma estranha e incómoda intimidade...
de que mais tarde, creio... me viria a arrepender...

ficámos assim só... desconhecidos, noite dentro deitados... naquela cama estreita e pequena...
olhando fixamente a sombra dos nossos corpos... no tecto projectada pela luz dos carros que passavam lá fora...
através dessa luz amarelada que coava todo o espaço, falávamos pausadamente... acerca de tudo, acerca de nada.

fixei-me mais no som que de longe chegava... oriundo de uma qualquer casa anexa...
the healing place... david sylvian...
tentando assim acreditar que toda a magia, não passava de uma estratégia barata e usual...
de me ter ali assim...
onde certamente já haviam estado tantos outros. como agora eu.


quarta-feira, 5 de outubro de 2022

do tempo > or so it seems | duet emmo





















do tempo > or so it seems | duet emmo



do tempo em que a música era esquisita... e aceitável.
porque se aceitava. tudo se encaixava e aceitava... se bem que não se consumia...
a experimentação e o experimentalismo...
músicos autodidactas... que tudo queriam mostrar... mesmo por vezes a ausência de bom senso... 

vem isto a propósito da reedição do or so it seems... dos duet emmo.
que também poderiam ser os dome... os wire quem sabe... mas apenas o graham lewis e o bruce gilbert... os dome então... acrescidos do dono da editora... o daniel miller... que apenas havia lançado um único single, debaixo do nome... the normal.
estes duet emmo resumiam tudo o que os dome haviam encarnado... e igualmente trilhavam os íngremes caminhos que todos os elementos dos wire igualmente haviam percorrido... com a excepção a ser feita ao colin newman... que rapidamente se decidiu por uma vertente mais pop e povoada...

subsequente aos registos dos dome... que haviam já efectivamente abandonado o processo criativo tradicional... e deixado o rock para trás... não sendo este registo dos duet emmo enclausurado e hermético... não deixa ao comum ouvinte mais do que uma certa estranhesa e eventual possível tormenta...
esta liberdade estética... composições em modo laboratorial... na senda dos residents... cabaret voltaire... e mesmo as correntes literárias e inspiração industrial... com um eventual piscar de olho à corrente no wave nova iorquina...

nessa época... retornava o auge da experimentação e da electrónica... com inúmeras bandas a ensaiarem rigorosamente tudo... mas mesmo tudo... numa nova antevisão dos gloriosos tempos da bauhaus, da teatralidade e do experimentalismo do the art of noise... manifesto futurista de luigi russolo... que mais tarde foi rastilho e chama para bandas como os cabaret voltaire... throbbing gristle... fad gadget... clockdva... e tantos e todos os outros que se encaixaram e foram anormalmente rotulados de música industrial...

desse tempo... em que a música era aceitavelmente esquisita e estranha... 
e isso era tudo o quanto basta.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

triumph dolomite 1200 > o tempo de outros tempos










triumph dolomite 1200 > o tempo de outros tempos


o carro seguramente já não existe. tão pouco o seu dono.
ficaram perdidos no tempo que entretanto passou... e igualmente retidos na minha memória.
posso falar do triumph dolomite verde escuro... religiosamente parado em frente da casa do seu proprietário, naquela praceta calma e sombria da cidade... mas também do ford anglia cinzento guardado com muito zelo... ou apenas da carrinha peugeot 304 azul escura e discreta.
todos eles fazem inequivocamente parte da minha vida... por tantas e todas as razões.
seja através do senhor lopes... marido da dona ester, professora de piano e mãe do luís e do filipe... do comandante que tanto e todos aturou... e invariavelmente emprestava o seu triumph verde escuro ao rui ou ao joão... ou a carrinha peugeot do meu tio rui... que rapidamente e cruelmente foi deixada para trás em prol de um triumph mga descapotável...
podia falar dessa relíquia que era esse fiat 126... que consistentemente nos levava a qualquer praia madrugada cedo... e que nunca, mas mesmo nunca nos deixou ficar mal... na perseguição e busca das melhores ondas em todos e quaisquer dias do ano...

mas seguramente seria indelicado deixar de fora as carrinhas mazda... uma azul escura e a outra branca... que diariamente nos transportaram até ao 2001... noite a pós noite... e acreditem não é exagero algum. nenhum.
éramos frequentadores assíduos... e quando digo assíduos era mesmo, todas as noites...
era essa efeverscência de música nova... a ânsia da descoberta... que depois invariavelmente nos obrigava selectivamente a comprar os discos mais interessantes que assim íamos descobrindo...
também por aqui por aqui passou a minha consistência e cultura musical. posso afirmar que os alicerces talvez aqui residam. 

a música era outra. porque a condição era outra.
havia uma urgência na descoberta... sobretudo porque nada estava ali assim tão acessível e perto de se chegar. 
o acesso era mesmo muito limitado... a dimensão das edições idem... e o tempo urgia...
e tanto havia por desbravar e descobrir... 
e os acessos eram sempre os mesmos...
ou altas horas da noite... o john peel... bastas vezes indecifrável... 
o antónio sérgio mais próximo, igualmente noite dentro... mas um decalque e fotocópia... especialmente para quem tinha acesso ao radio 1 do john peel...
havia também particular e religiosamente aos sábados das 11 às 13 horas... o aqui rádio silêncio... do jaime fernandes... que nos ia depositando pérolas avulso... que não propriamente novas descobertas ou edições... antes adições consistentes... que igualmente ajudaram a cimentar. uma cultura musical que inconscientemente se ía depositando, e igualmente nos afastava do comum melómano...

e foi com base nestes sedimentos que se fez o caminho... e assim fomos caminhando... tardes passadas no chão de madeira daquele exíguo quarto situado no bairro dos actores... onde nos deliciávamos e hipnotizados ali permanecíamos a repetidamente escutar os discos que nos chegavam de inglaterra... criteriosamente e antecipadamente seleccionados nos poucos catálogos das distribidoras da época... o que nem sempre conferia a chegada segura e o sucesso das prévias compras.

e sobretudo demorava. demorava a chegar.
e essa demora era importante. mesmo muito importante.
porque atribuía significado e importância ao que acabáramos de comprar...
e essa demora atribuía preciosismo aos nossos novos pertences...

hoje tudo mudou... 
menos o ser humano.
continuo a ver esse mesmo brilho no olhar das raparigas e rapazes que "descobrem" os discos surrados e em décima terceira mão... que já antes os pais ouviram... e jazam a preços proibídos nas estantes das lojas de segunda mão... e onde a história e o mofo habitam e coexistem...






sexta-feira, 23 de setembro de 2022

sirenes > ambulance chasers | wire


 







sirenes > ambulance chasers | wire


vou sentir saudades...
claro que vou sentir saudades... por muito estranho que possa parecer.
habituei-me... por mais difícil que seja, o certo é que me habituei...

claro que vou sentir saudades, mentiria se dissesse o contrário...
agora, sempre que aqui estou sentado na sala... e passam as ambulâncias em catadupa... a caminho do hospital de são josé... imediatamente, e por muito incómodo que possa parecer... dou comigo a pensar, que mesmo esta contínua e ruidosa rotina que se foi instalando  e tornando familiar... me irá fazer falta.
é estranho. eu sei.
mas assim só, apercebendo-me que estou prestes a perder mais este ritual que comigo convive há tantos anos... e sinceramente já começo a ter saudades... de o ir perder.

este boliço, nesta movimentada avenida... o contínuo movimento... mesmo o perpétuo ruído...
são-me agora familiares... constituem igualmente parte da habitação.
tornaram-se rotina familiar... 
por muito que por vezes custe e não goste da aflição desse crepitar das sirenes de tantas ambulâncias... e da sua urgência... 

mas sei já...
que vou sentir saudades...

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

à semelhança > themes for grind | will sergeant


 











à semelhança > themes for grind | will sergeant


ele não há coincidências...
ou haverá... interrogo-me eu...
esta semana tenho dedicado algum tempo caseiro a ouvir... coisas que há muito não dedicava atenção alguma. nenhuma, mesmo.
e por vezes somos e saímos surpreendidos... positivamente surpreendidos.
passei os olhos pelo themes for grind do will sergeant... e decidi-me a ouvi-lo... porque não, pensei.
fiquei agradavelmente surpreso... o disco é anormalmente bom... e sobretudo envelheceu muito melhor do que os registos dos echo & the bunnymen...

e tenho-me deliciado ao repetidamente o escutar... e a cada nova audição, a surpresa é sempre mais agradável...
o will sergeant é um bunnyman que certamente ouviu os seus contemporâneos mais marginais... essa franja onde habitam os cabaret voltaire... os coil... mesmo em alguns momentos os virgin prunes...
e porque não dizê-lo... por aqui navegam todos os fantasmas e momentos dessa elecytónica que se criou ao longo da década de oitenta e tantas bandas gerou... e consolidou.

agradável surpresa esta deste experimentalismo... tão distante de tudo o que os bunnymen construíram...  
e nem é assim tão legível que estejamos a falar do guitarrista dos echo & the bunnymen... aproxima-se este registo mais de uma narrativa cinematográfica independente e austéra... onde habita um radicalismo que nunca se ensaiou em qualquer registo construído com o ian mcculloch... talvez por este ser muito mais pop e orelhudo... 
e quem sabe... ter a mania que é bom... 
o que a adivinhar por registos como este themes for grind... nem sequer é verdadeiramente, verdade...

e ainda não totalmente satisfeito com este redescoberta... eis que ao passar numa discoteca por rotina... descubro o bunnyman... o livro do will sergeant... que logo adquiri... e avidamente toda a escrita irei sorver...

agora digam lá... não há coincidências mesmo...


terça-feira, 13 de setembro de 2022

10 de setembro > voices | roger eno




















10 de setembro > voices | roger eno


não, não me esqueci.
simplesmente adiei. 
obviamente que recordei a data.
dia dez de setembro, desta vez foi uma segunda-feira.

não, não me esqueci. como poderia fazê-lo?
desde o primeiro dia de setembro que tenho estado a ouvir ciclicamente o september do david sylvian... a que retorno e se tornou tradição do dia 1... que todos os anos repito... 
september's here again... evoca o lamento do david sylvian...

the sun shines high above
the sounds of laughter
the birds swoop down upon
the crosses of old grey churches
we say that we're in love
while secretly wishing for rain
sipping Coke and playing games
september's here again
september's here again
e não... não esqueci.
simplesmente adiei.
para ficares em paz com o disco que te dedico e tanto transparece de ti...
voices do roger eno... e esta melancolia e serenidade que sempre tanto te caracterizou.

desculpa, quase esquecia...
parabéns!










terça-feira, 30 de agosto de 2022

a promessa (por cumprir) > buka | hania rani











a promessa (por cumprir) > buka | hania rani


prometi a mim mesmo.

prometi a mim mesmo... e não estou a cumprir.
estava agendado... estava programado nestas curtas e quentes férias de verão, ler um livro ou dois... sobretudo uma espécie de autobiografia do Marc Chagall... e sinceramente ainda nada se concretizou.  

conceber o inconcebível.
é o que isso mesmo é.
prometermos a nós próprios que iremos fazer e cumprir algo... e depois assim mesmo falharmos perante nós próprios.
parece-me inconcebível demais para ser verdade.
não respeitarmos... sobretudo não nos respeitarmos.

assim só. apenas.
oiço, estupidamente oiço o que sempre oiço...
neste caso buka de hania rani e não me conformo. é tudo bom, é tudo bom demais para ser verdade.
estes sons... estas melodias que são e transformam tudo... tudo transformam, mesmo. pelo menos em mim.

e agora, alguém que me desculpe... 
belisco-me e regresso... tenho de regressar a esta realidade...
destas pessoas duras... estúpidas e desqualificadas com quem trabalho e que diariamente me rodeiam...
voltar a este meu quotidiano pobre e empobrecido... onde ninguém vê... 
mas invariavelmente todos imaginam olhar e mirar esse pequeno ponto distante e fixo... e um dia também conseguir ver...