terça-feira, 17 de janeiro de 2023

parece fácil > says | nils frahm


 








parece fácil > says | nils frahm


parece fácil.
nem sempre o é na verdade.
toda a gente acha fácil, parece sempre fácil... demasiado fácil...
não é.

têm sido tempos tremendos, estes últimos. 
pessoas que foram e nos são significativas... que provavelmente povoaram o nosso quotidiano... preencheram também as nossas vidas e imaginários... e que simplesmente partem, assim em catadupa...
o richard kirk de um dia para o outro... martin duffy dos felt... o angelo badalamenti, a julee cruise... o andrew fletcher... depois a vivienne westwood... agora mesmo o alan rankine, sem aviso prévio.

tantas pessoas que desaparecem em tão curto espaço de tempo... é sobretudo trágico.
mas também comprometem as nossas vidas e as nossas memórias... e confinam o nosso espectro.
até certo ponto temos as nossas vidas alicerçadas em pessoas que nunca na realidade conhecemos... acima de tudo desconhecíamos...
e tudo se esvazia e vaza... e carece de sentido, sempre que sabemos que uma nos deixa... efectivamente não nos deixa no verdadeiro sentido da palavra.
simplesmente porque nunca as conhecemos... apenas existiam e permanecerão no nosso quotidiano... mesmo que fisicamente já não existam.
mas não deixa de ser trágico...

parece fácil, mas na verdade não é.


quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

para quem quer que seja > city as memory | john foxx



 










para quem quer que seja > city as memory | john foxx



> imagem catalogada 001: na praia (caparica)

isso mesmo. para quem quiser. ou se rever. aqui se rever... para quem quer que seja...

o carro não era meu...era dela.
aliás, na época eu nem sequer tinha carro. 
a ideia igualmente foi dela. de ir passar a tarde naquela praia distante...
se foi agradável, sim, foi. apenas no regresso tivemos um percalço... tivemos um problema. 
o carro deixou de colaborar. o carro avariou... e parou.
precisamente quando o dia findava...
caía a noite e nós ali parados na berma da estrada... calados... talvez por exaustão.
já não tínhamos tema de conversa... daí provavelmente o silêncio que se instalou...
e enquanto aguardávamos em sossego... tentei perceber o que havia corrido mal... se é que alguma coisa havia efectivamente corrido mal.
talvez mediante as minhas expectativas... sim, seria sem dúvida isso... havia imaginado coisas... situações... temas e conversas que não existiram... o que gorou as minhas esperanças...
agora aqui parados e em silêncio quase sepulcral... devo confessar que as probabilidades e esperança eram diminutas... quase nulas para ser mais exacto...
havia-me entusiasmado... e se os pressupostos pareciam indicar o contrário... o certo é que foi mesmo o inverso do que havia desejado que se veio a confirmar.
restava aguardar sereno pela chegada do reboque, que nos haveria de libertar daquela constrangedora situação...



> imagem catalogada 002: anjos (lisboa)

este quarto alugado, no segundo piso... junto das águas furtadas, onde habita um velho actor de teatro.
no quarto número 24, um reformado da cp, que costuma sustentar algumas raparigas que uma vez por semana o visitam.
no número 28, uma solteirona de passado desconhecido e a rondar os quarenta e cinco... ou mesmo cinquenta anos (embora ela afirme ter trinta e nove), de cabelo oxigenado e saias travadas de tamanho menos próprio para uma "senhora" da sua idade, e que apenas sai de noite.
um rapaz loiro da marinha grande no quarto 29, mas que poucas vezes vem e fica.
nas traseiras onde de tarde bate o sol, os canários nas gaiolas metálicas penduradas... a roupa colorida a secar, ainda o cheiro a detergente fresco no ar húmido. a dona rosa, viúva do senhor miranda, que hoje em dia administra sozinha o estabelecimento... próspero em outras épocas de grande afluência de pessoas oriundas da província, em busca de um emprego bem remunerado na grande cidade, mas que já não existe.
o vai-vem dos ciclistas em bicicletas eléctricas que ávida e caoticamente cruzam as ruas na tentativa de mais uma entrega dentro do tempo solicitado...



para o hugo > happiness does not wait | ólafur arnalds













para o hugo > happiness does not wait | ólafur arnalds


habituei-me. assim só.
a escrever.
desde sempre a escrever. desde que me conheço, sempre tive esse escape...
sempre me via envolvido em escrever... como catarse... como companhia. sei lá.
apenas sei que desde muito novo que me habituei... e confesso... me refugiei na escrita... por pior que isso soasse... e acreditem... soa.

ainda muito novo já era um praticante assíduo da escrita... não que quisesse ser escritor... nunca tive essa pretensão... 
mas desde sempre, desde mesmo antes do liceu, já com frequência tentava escrever algo... sempre coisas estúpidas... mas que invariavelmente me iam ocupando o tempo...

foi a mãe de um amigo meu que me chamou a atenção... para a escrita. a minha.
foi a mãe do joão martins que me disse se era eu que escrevia aqueles textos plasmados nos meus cadernos escolares... 
o que muito me surpreendeu...dado a senhora ser professora de liceu...
e me ter referido que ainda haveríamos de falar acerca da escrita e desses textos que pelo que me apercebi... lhe haviam despertado curiosidade...
pena que pouco tempo depois a senhora tenha falecido, devido... na sequência de um ataque de asma... o que creio traçou o meu destino literário... que afinal já estava traçado...

mas sempre fui escrevendo... acerca de tudo, acerca de nada... divagando estupidamente onde melhor me conseguia expressar... longe de uma socialização que creio, com essa idade temia... 
a escrita era um refúgio... assim como a fotografia... já para não falar da música... e de todas as descobertas e relações... e sobreposições...
preenchi folhas... escrevi blocos... enchi livros que ainda preservo... e que de tão ingénuos e óbvios (pelo menos para mim)... por vezes me assustam e fazem corar.

mais tarde comecei uma descrição mais nobre... uma espécie de diários, desde o nascimento dos meus filhos... o que se veio a revelar impraticável... sobretudo pelo tempo e memória que consumiam... e que era incompatível com a azáfama e rotinas diárias...
o que aos dias de hoje me arrependo eternamente... de não ter as nossas vidas testemunhadas dessa forma física... que em muito iriam ajudar a construção das nossas memórias comuns...
desabituei-me assim apenas... 
o que é uma irreversível e irremediável pena...
para todos... sobretudo para mim.

para o pedro > says | nils frahm






















para o pedro > says | nils frahm


li e reli.
tenho esse hábito. de ler tudo o que escrevo. e por vezes, muitas vezes, reler.
não é que melhore... apenas creio, é um vício...
como o de sempre voltar atrás para confirmar se a porta ou a janela estão bem fechadas.
é uma rotina... uma constante insegurança, logo eu que até não me considero inseguro...
mas é assim... é verdade. leio e releio...
e de pouco ou nada serve... é o hábito, é apenas o hábito.
quando escrevo, está escrito... é definitivo.
mas depois hesito... e sempre leio... e releio.
até evito... mas é o hábito... esse maldito hábito. 
não que algo altere, ou melhore...
acredito que não há nada a melhorar... é como é... está e fica. assim. 
é isso, é definitivo.
mas indefinido...

mas estupidamente leio e releio... tudo o que simplesmente escrevo...
parece fácil...
não é.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

não há coincidências > colossal youth | young marble giants












não há coincidências > colossal youth | young marble giants


na realidade não deveria haver lugar a coincidências. tantas.
sobretudo tão exactas e específicas.
tem dias a notícia da súbita morte do alan rankine... e surge no mercado uma espécie de  livro de memórias, um fanzine acerca da cliché...
não há coincidências... não podia existir maior coincidência.

ninguém está a perceber nada, eu entendo...
ninguém consegue associar nada, eu percebo. e passo a explicar.
associar é fácil, dado que vamos falar também dos the associates...

a primeira vez que me desloquei à cliché... dado que era um assíduo frequentador de um bairro alto que despontava e se movimentava.
ao contrário de tantos outros que por lá com frequência habitavam... as minhas investidas não se cingiam à noite.
antes pelo contrário, eram regulares as minhas deslocações diurnas à varela... à casa ferreira... 
o frágil... o arroz doce da tia alice... a contraverso... e mesmo a "loja" que esteve na sua origem... esse restaurante cujo nome já não recordo... onde durante a tarde se vendia o vinil que milagrosamente surgia de dentro dos bancos que serviam de assentos aos clientes do mesmo. o horário era estranho... vivia-se freneticamente entre refeições... desde o final dos almoços... até à preparação dos jantares...
mas quando acidentalmente numa tarde descobri a cliché... paredes meias com essa estranha igreja dos fiéis de deus...igualmente descobri os the associates...
foi o rui pregal da cunha... que lá trabalhava e me atendeu... ainda longe de imaginar esse percurso que o levaria até aos heróis do mar... mas cujo desejo pude constactar estar lá desde sempre...
falámos de imensas bandas... projectos e dos títulos que a cliché tinha em mente para editar em portugal... tudo bandas alternativas de primeira divisão... quer se tratasse dos young marble giants... das raincoats... dos material e dos poucos outros que compuseram o seu pequeno mas precioso catálogo. seis edições ao todo... apenas seis.

mas o que mais me marcou nessa nossa primeira conversa, foi ele, em determinado momento ter indagado se eu conhecia os the associates... no meio de tantas bandas que sucessivamente fomos referindo...
e simplesmente afirmou:
acho que vais gostar... disse-me nesse momento...
e quando lhe perguntei que tipo de música era a deles... 
referiu-me que era qualquer coisa...
é como um cruzamento entre... olha, é como o bowie a cantar no banho, a cantar dentro de uma banheira... 
a imagem nem estava de todo incorrecta... os the associates à época eram realmente diversos... diferentes e especiais...

e agora esta notícia inesperada do alan rankine... e simultaneamente a edição do fanzine acerca da cliché... sendo estranho, na verdade...

a verdade é que não há coincidências...