quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

esplendor > les jolies choses | chaterine gaudet


esplendor > les jolies choses | chaterine gaudet


a não perder.
que mais posso dizer.
como apelidar este bailado...
segundo a súmula da página da rtp, onde o espectáculo foi transmitido... refere entre outros epítetos:

cinco corpos movem-se ao ritmo de um metrónomo. os seus gestos mecânicos são continuamente repetidos, a máquina corre solta e exige a sua obediência absoluta. esta partitura colectiva aparentemente inofensiva, com os seus percursos ordenados, exala um cheiro de verniz barato que logo acaba rachando.

objectivamente é um dos bailados mais violentos e exigentes que já presenciei.
exigente... não do ponto de vista técnico, mas seguramente... fisicamente.
chega-se a um ponto... de não retorno... em que apenas se quer parar... não prosseguir mais, terminar apenas com aquela saga que parece infindável... pela exaustão óbvia... visível e assumida nos e dos bailarinos.
a música não ajuda... é notório e notável... sincopada... frenética e compassada... não ajuda... mecânica e que não para... nunca para.
aqui tudo é consequente porque é mesmo inconsequente... é consequente.
obviamente trará consequências... mazelas físicas e morais... a quem se reconhece e a quem interpreta.
há uma violência visceral latente... maquinal, fria e sincopada... que não permite repousar.
não permite sequer ao espectador descansar... e a todos e tudo cansa...
há uma exaustão latente neste bailado... e os seus aparentes 52 minutos de duração são como uma descida ao inferno... uma avassaladora perturbação e distorção da condição humana. física. mental. existe e reside aqui algo de transformador... de uma violência inabalável.
saio daqui... desta experiência, demasiado fascinado... e cansado.
exausto de tamanha demonstração... vigor... resistência e dimensão... e porque não dizê-lo, rigor.
mesmo os bailarinos não são o estereótipo de bailarinos... acidental ou propositadamente.
possuem corpos não conforme... disformes... não têm uma presença clássica e estereotipada... na forma, nos movimentos... na elegância... na presença.
a música que tudo envolve... constrói... acompanha e perturba, é soberba... omnipresente e sufocante... mecânica e mesmo desumana, porque não permite aos humanos  pausa... o descanso.
existe aqui qualquer coisa de sobre-humano... e de tão fascinado que saio e fico... apenas refiro a ficha técnica deste bailado sublime... e cujos intervenientes merecem todo o destaque. nem que seja pelo aparente desgaste e sofrimento.
ou simplesmente porque é justo... soberbo e esplendoroso.


> coreografia: catherine gaudet

> figurinos: marilène bastien

> intérpretes:
francis ducharme... caroline gravel... leila mailly... james philips... scott mccabe

> música: antoine berthiaume

> realização: xavier curnillon


obviamente a não perder.





terça-feira, 30 de janeiro de 2024

elogio fúnebre ou palidez > fallen trees | lubomyr melnyk


 











elogio fúnebre ou palidez > fallen trees | lubomyr melnyk


sei que o antes não volta a ser, mas acredito na redefinição da harmonia se soubermos ser amor e amizade. um abraço profundo a todos aqueles onde o joão patrício reside e vive.



beira baixa > tiny children | the teardrop explodes



beira baixa > tiny children | the teardrop explodes


por vezes questiono-me...
porque é que as nuvens não caem sobre nós?
não se abatem sobre nós...

quando agora, que reconheço e começo a sentir que o tempo já se esgota... convêm lembrar...
os lugares por onde também vivi e passei...
as pessoas com quem vivi e que irremediavelmente já perdi...
as músicas intermináveis que em solidão igualmente ouvi...

lembro as tardes quentes de fim de verão na aldeia da beira baixa... a casa grande e alegre da minha avó... cheia de recantos e história... e pessoas...
a doçura da família ao redor da mesa em jantares infindáveis... e as estórias que se deixavam contar... e que fazem parte desta história de memórias... 
a azáfama da preparação das refeições... a cozinha imensa e alta...
no piso térreo a zona da despensa... com os diversos compartimentos e os alqueires... o cheiro a cereais... 
e do lado oposto da entrada principal, a eira... o azeite e o tonel...
a escada de acesso ao primeiro piso... íngreme, demasiado íngreme para tudo e todos... e assim sendo, no topo da mesma, uma corda que permitia abrir a porta sem recurso a qualquer deslocação...
e o assomar à varanda do segundo andar... apenas permitido na companhia de adultos... para ver as luzes dos carros que se aguardam na distância... o fim de uma exaustiva viagem desde lisboa...
as luzes lá ao longe simulando a sinuosidade da estrada... 
mas igualmente as braseiras... a grafonola e as espingardas penduradas na parede da escada que nos levava ao sótão...

tantos e todos os discos que descobri... e que também eles são companhia e reconfortante e profunda amizade... 
obviamente passam e transportam... todas essas imagens... carregam todas as mesmas memórias, mesmo quando a memória já atraiçoa e falha...

o pelourinho... o velho castelo e as badaladas compassadas de todas as horas...
lá fora os bancos de granito no alpendre da entrada...
os candeeiros frágeis de vidro... o cheiro a petróleo... as sombras que se produzem e projectam nas paredes velhas... ao anoitecer...

sim, eu sei...
a vida era mais serena... mais calma. 
diria mesmo... parecia haver mais tempo no mesmo tempo...

funerais a mais > hollywood | nick cave




funerais a mais > hollywood | nick cave

lembro-me sempre. 
lembro-me bem.
dos funerais ao domingo... sempre ao domingo...
enterrei o meu pai num domingo à tarde de inverno...
sepultei a minha mãe igualmente num domingo à tarde...
enterrei a minha mãe no mesmo cemitério... igualmente numa tarde de domingo.
próximo da sepultura do meu pai, apenas não no mesmo talhão. entre ambas as campas rasas não distariam mais de 50 a 60 metros... 
e o jazigo perpétuo da minha avó igualmente próximo.

ambas as tardes estavam frias... havia um sol morno de inverno...
havia uma luz fraca de fim de tarde... 
o vento frio cortava... o cemitério pouco, nada abrigava...
ambas as cerimónias realizaram-se na parte mais elevada e desabrigada do cemitério...
ali há poucas árvores... e o vento é constante...
e os funerais demoram... e entristessem...

habituei a vida a este espaço... a estar neste cemitério.
comecei, reconheço... a achar tranquilo, vaguear pelo seu perímetro e permanecer.
habituei a minha vida ao confronto com a morte... 
será que há ali algum conforto?...

e habituei-me a este espaço, a este recinto... calmo e distante... que por vezes tanta tranquilidade me proporcionou.
se inicialmente o achei indesejado... e foi motivo da minha repulsa e revolta... 
serena e depressa me habituei.
e ao contrário da maioria das pessoas que por aqui passam e estão... não ali permaneci em busca de algo... o meu cepticismo dizia-me que já ali nada havia de existente... 
apenas a minha memória e um impulso... um desejo de recordar... reviver todas as situações agora perdidas... me levavam compulsivamente até aquele lugar.
ao inverso de todos os outros... não lavava ou cuidava das sepulturas... antes, deixava o tempo tomar posse... as lápides tornam-se mais dignas com o decorrer do tempo...

e por vezes até no caminho me apoderava de uma ou outra flor... nada de que me orgulhe... mas igualmente nada que me desonre. 
as flores sabia-o eram importantes para a minha mãe... sempre o haviam sido ao longo da sua vida... ao longo do trajecto da morte do meu pai...
as flores sempre lhe foram uma constante... brancas diria ela... 
e seria sempre para respeitar...




pela manhã > chosen time | new order



pela manhã > chosen time | new order


pela manhã cruzo-me invariavelmente sempre com as mesmas pessoas. nos mesmos lugares.
sempre as mesmas pessoas... a fazerem as mesmas acções... e atitudes. sempre nos mesmos locais.

junto à igreja dos anjos... o jovem pai na sua adaptada e gigante bicicleta... que ajuda a transportar todas as três filhas para a escola oficial... e a pequena e silenciosa chinesa... na sua trotinete eléctrica preta... que indiferente sobe veloz a avenida...
junto da cervejaria no intendente... os varredores mal dispostos... que têm de lidar com o caos da imensidão de lixo produzido pela loja de telemóveis...
mais abaixo as raparigas romenas que todos os dias tomam o café sentadas na esplanada enquanto conversam... e tudo entornam.

já na rua pedonal... os rituais mantêm-se...
o homem que abre a porta da pequena e inviolável loja de tabaco... 
as carrinhas das lavandarias que recolhem e abastecem os múltiplos e pequenos hotéis da zona... a mulher que indiferente aguarda a abertura das portas da sociedade geográfica... enquanto consulta o telemóvel...
a reposição e abastecimento de alimentos nos restaurantes que não tardam em abrir... a porta entreaberta da antiga e discreta loja de ferragens...
nasce o dia... os hábitos mantêm-se... 
e assim os dias sucedem-se aparentemente invariáveis...



uma velha loja de velharias > the pool of memories | lubomyr melnyk















uma velha loja de velharias > the pool of memories | lubomyr melnyk


hoje estive numa loja de velharias... antiguidades...
e que tem um pouco de tudo... desde loiças... vidros... cristais... móveis... discos de vinil... dvd... cd desinteressantes... livros velhos... muitos percebe-se logo a sua proveniência...
é a loja do senhor valentim... um homem de meia idade... sereno... e que acredito... não gosta muito de trabalhar...
nunca sabe muito bem onde tem as coisas... nem por vezes, o real valor das mesmas. simplesmente por falta de investigação... atira assim preços para o ar...
mas adiante...

enquanto conversávamos... dei por mim a folhear um monte de livros velho... e de entre todos apenas destaquei... uma edição de bolso espanhola, sobre o museu do louvre... com capa amarela... e outro cujo título memorizei... férias da páscoa... que estava protegido por uma capa de papel tipo kraft velho...
e por falo deste título... que me pareceu demasiado desinteressante... apenas pelo que continha no seu interior...
diversas páginas tinham "separadores" em papel de prata... provavelmente proveniente de antigos doces... mas já nada se conseguia ver.
outras tinham coroas desenhadas e manualmente pintadas a lápis de cor... agora já com pouca cor...
mas igualmente encontrei excertos de antigas cartas e recados, em que se tornou impossível não reparar...
um livro desinteressante... recheado de pedaços de vida bem mais rica e interessante...
havia excertos de cartas escritas à máquina... acerca de tudo... acerca de nada... algumas de escrituras e execuções... doações e herdeiros...
mas, num pedaço de folha manualmente cortada... escrito a vermelho havia um recado que passo a transcrever...


                                                  Querida Manuelinha

Eu e o papá vamos a Lisboa. Devemos voltar pelas nove da noite.
O almoço está destinado - sardinhas de lata e salada. O jantar destina-o tu, queres?
A roupa e sapatos para levares à radiografia estão em cima da cadeira do teu quarto.
Toma conta da casa, sim?
Muitos beijos dos teus pais muito amigos.


simplesmente um estranho pedaço de antigas vidas num livro ignoto... numa velha loja de velharias... a loja do senhor valentim.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

hábitos > so sad today | july skies















hábitos > so sad today | july skies


hoje não voltas a casa. 
hoje novamente não vens para casa. 
está a tornar-se um hábito.
tenho de me habituar...

hoje não regressas a casa.
hoje novamente ficas fora... não vens, não voltas...
está a tornar-se uma rotina...
desejo... imagino não me habituar. 

a sério > awaiting | lubomyr melnyk

 




a sério > awaiting | lubomyr melnyk


desta vez é a sério... é tudo sério. 
demasiado sério...

já lhe conheço os passos... e mesmo de olhos ainda fechados, sei... 
sei que já nasceu o dia... e que a enfermeira já percorre os corredores desta ala do hospital... reconheço-a... reconheço-lhe o andar...
fala pausada mas enérgica com os doentes com que se cruza... e a quem distribui a medicação da manhã...

nos hospitais os dias começam cedo... até mesmo quando por vezes nem chegam a acabar...
há uma azáfama para acudir aos enfermos... e tentar evitar males maiores...
e aperceberem-se das situações mais débeis e delicadas...
quem por vezes sem o saber, inspira mais cuidados...

a energia dos dias contrasta com a letargia das noites... que invariavelmente começam cedo e se tornam longas...
custa o sofrimento... a distância e mesmo o desconhecido... 
esse desconforto que se instala em cada um dos pacientes... mas sobretudo custa a solidão...
de noite mesmo na vigília do escuro... ouve-se mais, ouve-se tudo...
o sofrimento alheio é mais presente...  os gemidos... os lamentos...
na noite está presente a solidão... a dor... mesmo o medo ronda as enfermarias e os quartos...
as rondas dos enfermeiros é uma pequena ajuda... que apenas interrompe o lento passar do tempo...
assusta igualmente o barulho... o ruído das máquinas... e os seus ciclos e ritmos... por vezes estranhamente interrompidos... e assusta mais ainda...

por vezes as noites custam ainda mais...
com os gemidos... as insónias e o sofrimento alheio...
o desconhecido e o desconforto é enorme... por vezes alguém sofre imenso... e tudo custa.


e já agora aproveita... e não venhas cá.
custam as visitas... sobretudo as despedidas.
a sério, não venhas cá.
custam sempre mais as partidas do que as ausências...
não, não venhas cá... 
hei-de ir aí... um dia, prometo... isto há-de melhorar... 

sim, eu sei... ando a dizer isto há demasiado tempo... mas agora é a sério...
não venhas até cá...
um dia destes saio daqui e... desloco-me aí... 
não prometo nada...
está prometido.



quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

escrita > film credits | iskra string quartet









escrita > film credits | iskra string quartet


escrevo. 
como sempre escrevo... e escrevi.
desde sempre que me recordo... escrevo. sempre me vi a escrever.
gosto da escrita... gosto sobretudo de escrever.
simplesmente sento-me e escrevo... sem nada anteriormente estruturado...
sem nada previamente pensado... 
por vezes, bastas vezes escrevo sem nexo... apenas escrevo.

nunca tive pretensão de ser ou ter sido escritor.
simplesmente escrevo.
não escrevo provavelmente com intenção... 
escrevo para ninguém...

nunca pretendi escrever objectivamente para alguém... que não fosse simplesmente nominal.
escrevi bastas vezes com destinatários... sobretudo destinatárias.
ainda há pouco encontrei uma caixa repleta de cartas antigas... muitas delas cujos destinatários desconheço... já não reconheço.
demasiadas eram absurdas... intrigantes... desconexas...
poucas eram medianas ou se reler...
boas, não recordo... não retive alguma, nenhuma.
há textos com bastante idade, que ainda recordo... quase os sei de cor.
mas isso não quer dizer que sejam necessariamente bons ou úteis...

mas, afinal qual é a utilidade de um texto, de uma estória?...
e no entanto, escrevo.... sigo escrevendo...




quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

hoje, hoje falou-se > haust | ólafur arnalds

















hoje, hoje falou-se > haust | ólafur arnalds


hoje deliciei-me.
simplesmente perdi algum tempo com um estranho.
que agora já não é mais um estranho.
agora já o conheço... começo a conhecer.

é o joão, ou jm como costuma assinar nas mensagens trocadas... que vende discos desde há muito tempo. já em tempos, para aí há uns 10 anos lhe adquiri vários cd, numa entrega previamente combinada.
creio, devemos ter amigos em comum... não questionei.
simplesmente combinámos um encontro já por diversas vezes adiado e falhado...
por diversas vezes por whatsapp... e finalmente ao final da manhã do dia de hoje, aconteceu.
andava para resgatar diversas pérolas que ele tinha para venda... 
e agora já se concretizou... já me pertencem.
mas o nosso encontro, de cariz meramente comercial... rapidamente se tornou numa conversa afável ali mesmo naquela rua íngreme... acerca de tudo, acerca de nada... apenas acerca de música.
após a rápida transação e o tempo foi decorrendo e dei por nós... entusiasmados a falar de diversos e múltiplos autores... tais como os coil... o harold budd... o robin guthrie... obviamente os and also the trees... o ólafur arnalds, nils frahm... lubomyr melnyk... os iskra string quarted... a lisa gerrard e sobretudo o esquecimento a que estranhamente o pieter nooten foi devotado.
estranhamente falou-se até do yann tiersen e do peter broderick de quem ambos não somos devotos nem admiradores...
ambos nos entusiasmámos com as diversas edições do max richter e do atrevimento, sacrilégio dirão muitos, e coragem digo eu... na execução do the new four seasons | vivaldi recomposed...
questionámos bandas... músicos... sobretudo editoras e distribuição de discos... e como lhes conseguir aceder... aos mais raros e de edições pequenas e finitas.
o tempo foi passando... e o entusiasmo não esmoreceu.
apenas uma chamada telefónica para confirmação de uma entrega de material, pôs fim à nossa conversa...
eu aconselhei-lhe vivamente os breathless (que ele estranhamente desconhecia)... a começar pelo último registo, o see those colours fly... e ele confidenciou-me para não me esquecer de ouvir as novas versões de tributo aos defuntos coil... na pele dos this immortal coil... e que, sacrilégio, alguns temas eram mesmo melhor do que os originais...
ficou a curiosidade...

porque hoje falou-se sobretudo... e acima de tudo de música.



depois da espera > take the shock away | trisomie 21









depois da espera > take the shock away | trisomie 21


sempre o entendi assim. quanto mais longa a espera... maior será o abraço, o beijo. a ternura.
e espero. e desejo, o desejo.
espero, a espera.
sempre fez parte, do processo... e quanto mais longa a espera... maior a desesperança e o desejo...

existe uma espécie de ânsia calma e segura... que permite aguardar e que se reconforta com o tempo, e com a aproximação.
a simples possibilidade de um enlace. de um regresso.
vislumbro essa possibilidade, ainda que ínfima e distorcida. sobretudo pela minha visão e interesse... e eventual ilusão.
e simplesmente tranquilo, aguardo serenamente... pela impossibilidade... e pelo tempo.
acima de tudo pelo entendimento que creio existe. ou possa vir a existir. 
antes se estabeleça.

existe interesse de ambas as partes, digo eu. curiosidade existe, cumplicidade não sei... 
a cumplicidade constrói-se... vai-se construindo com o tempo.
os interesses comuns, todos e nenhuns.

e enquanto aguardo sereno... não desespero... simplesmente porque sei que esse dia virá... e até lá apenas a esperança me servirá... e confortará.


nota:
o que se escreve quando se escreve.
escreve-se acerca de tudo... escreve-se acerca de nada.
provavelmente diz-se pouco, tentando transmitir muito. tudo.
que normalmente redunda em nada. 


pensar pouco, pensar nada > haust | ólafur arnalds










pensar pouco, pensar nada > haust | ólafur arnalds


por vezes interrogo-me... penso nisso-
o que pensam as pessoas quando ao final do dia, pousam a cabeça na almofada, antes de adormecer...
pensam pouco, creio...
provavelmente a maioria pensa em nada.
não pensam.

cruzei-me hoje na rua com um casal de velhos vagarosos... e ele simplesmente dizia...
ontem fartei-me de chorar. só pensava que não conseguia adormecer... e que amanhã tinha de ir levar as vacinas... 
ao que ela retroquiu:
e vais, vais mesmo... não julgues que te livras disso... até já o devias ter feito há muito tempo...
sim, eu sei... 
mas não sei, estava nervoso... inquieto, era isso... 
não conseguia adormecer...

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

tenho em mim > lubomyr melnyk | the six day moment




tenho em mim > lubomyr melnyk | the six day moment


tenho passado os dias a desenhar e pintar... sobretudo a escrever.
tenho escrito sobretudo para os meus filhos, ainda que eles não o saibam... e também esporadicamente para as minhas sobrinhas.
são registos...desafios e desabafos...
memórias e experiências que quero ver passadas e plasmadas em papel. 
sim, sou de outra época... em que as cartas e os textos e as estórias eram registadas e deixadas em livro... e assim sendo, acessíveis a quem lhes quisesse recorrer.
tenho na estante diversos livros do meu avô que nunca cheguei a conhecer... alguns mesmo manuscritos... e tenho orgulho naquelas páginas de papel velho... onde de algum modo o consigo reconstruir e assim conhecer...

e estas memórias e desabafos ficam e conservam... tempo.
caso alguém algum dia as pretenda ler.
não existe nada mais incómodo do que a perda da nossa existência e identidade quando apenas existia na memória viva das pessoas que a morte já nos levou.
e assim, aqui também nós deixamos de existir e morremos invariavelmente mais um pouco...
por cada familiar ou amigo que connosco experienciou e viveu momentos... e simplesmente já morreu... também nós nos desintegramos mais um pouco...

é tão estranho olhar para uma velha fotografia de família e saber tão pouco... por vezes saber nada.
simplesmente a nossa vida não tem que se esgotar quando nós nos esgotamos...

podia ter sido > clearer | blueboy




podia ter sido > clearer | blueboy



podia ter sido assim só, toda a vida...
podia ter sido um segredo nosso... apenas nosso...
mas não... 
não sei o propósito... se foi saturação... à-vontade demais... simplesmente desinteresse até...
o certo é que se soube... veio a saber...
e digo-te... afirmo... não foi seguramente através de mim que se soube...
sempre fui invariavelmente discreto... 
até porque era sobretudo do interesse comum... do nosso exclusivo interesse...
não percebi, nunca percebi... mas assim não o entendeste...

e soube-se... veio a saber-se...
creio agora, que até talvez propositadamente...
até hoje, nunca entendi o propósito... mas soube-se... 
e só tu o podes ter revelado...
a alguém... mas, com que fundamento... com que finalidade...
mas veio a saber-se... 
através de quem?
e porquê?...

podia... devia ter sido um segredo nosso... apenas nosso.
decidiste partilhá-lo... e assim destruí-lo...
deixando de ser um segredo nosso... o nosso segredo.

afinal era um segredo nosso... apenas nosso.
e assim sendo faz um favor...
faz-me um favor...

envia-me uma mensagem sempre que estiveres embriagada...
assim poderei saber que te continuo a importunar... até quem sabe, a importar...


segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

coimbra > body in a room | bing & ruth













coimbra > body in a room | bing & ruth


a viagem já vai longa... cansativa...
primeiro o porto em companhia... a que se seguiu braga e um jantar familiar de grande felicidade...
agora aventuramo-nos pelos nossos desígnios e interesses... surge foz côa no horizonte... e lá no fundo, o sereno rio douro... 
a magnitude da paisagem... bem como a surpresa e a companhia...
o lugar esse é magnífico e calmo... tranquilo como sempre o imaginaste e desejaste...
cá fora no alpendre o calor aperta... mesmo quando a noite cai...
o negro da noite lá fora... ouve-se nada... 
até os cães que por ali pululam e habitam são serenos e discretos...
experimenta-se calma aqui... o tempo parece que parou, estagnado...

vejo o teu sorriso e imagino que estejas feliz com a tua escolha...
essa surpresa com que te brindaste a ti mesma no dia do teu aniversário...
a tranquilidade aqui é enorme... como tu gostas...nesta imensidão distante de todo o boliço do universo...
aqui tudo parece estagnado... como se o tempo tivesse parado... e apenas existisse esta serenidade imensa que se experimenta... e pretende perpetuar...

e partimos nessa tarde de calor... rumo a coimbra... 
passámos em viseu que por breves momentos visitámos... 
e seguimos viagem rumo ao centro, nessa tarde quente e solarenga...
chegados a coimbra entre o calor e já algum cansaço fomos em busca da chave do pequeno apartamento alugado. 
a espera nem chegou a ser penosa... graça à nossa curiosidade... e quando finalmente tudo se resolveu... subimos as estreitas escadas de madeira ruidosa... e lá do alto assomámos ao assombro da vista... o guadiana ao longe...
fazia ainda calor a mais... e os corpos exaustos e suados descansam sobre a cama em sombra...
a felicidade existe na cumplicidade e na partilha... e no desejo das experiências em companhia e intimidade... 

e reafirmo o que o primeiro postal que te dei naquela tarde, naquele café cheio e barulhento... usurpado de uma entrevista dos virgin prunes... que referia...
"o amor mais belo do que a lógica"...

a viagem ainda agora começou...






terça-feira, 2 de janeiro de 2024

encerrado para balanço > der abschied | pieter nooten










encerrado para balanço > der abschied | pieter nooten


entra-se no pátio da antiga garagem a meio da manhã e apetece ficar.
o ar permanece ali fresco... diria até um pouco húmido... 
as paredes altas e enfeitadas de sombra, ajudam a deter o calor... 
e a reter até uma certa humidade que consola.
na cozinha do primeiro andar a azáfama já se sente... prepara-se o almoço que há-de cheirar a poejo e a hortelã quando chegar ao prato. 
lá dentro, sobre a mesa, há frutas e legumes da região a que se junta, pouco depois, uma caixa de cogumelos e uma cesta de espargos de um produtor local que faz entregas porta a porta. aguarda-se a qualquer momento que os familiares cheguem, toquem à campainha e pousem as malas num dos muitos quartos desta casa que também por uns dias será sua.

lá fora já está demasiado calor, mesmo a esta hora da manhã...
para se aguardar pelas visitas no exterior...
assome-se por vezes às janelas de sacada do primeiro piso... a contemplar a estrada lá ao longe... e avistar se vem alguém... 
a pedra dos lambrins e socos permanece fria, ainda que o sol já lhes incida...
a intensidade consome o tempo... que se gasta na preparação do almoço... e nervosamente aproximo-me da mesa já posta, simplesmente para ver se nada ficou esquecido...
existem pequenas taças simetricamente dispersas pela mesa grande... cheias de aperitivos e doces e bolachas caseiras que hão-de fazer as delícias das crianças que irão chegar...

agora no início de um novo ano... esta estória e as empresas como outrora tantas outras...
encerram-se por agora para balanço.