sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

receio > wall | nils frahm




















receio > wall | nils frahm


tenho algum receio...
do que vá encontrar.
parece-me algo óbvio... tanta coincidência.
acho estranho... demasiado estranho.

tenho algum receio...
sobretudo do que possa encontrar.
até mesmo, ou sobretudo pelo histórico dos antecedentes.
não gosto de surpresas, muito menos deste género...
fico desconfortável, e isso obviamente nota-se... e não sei o que dizer.
mas afinal tudo é óbvio, tudo é fatal...

a vida passa e por vezes nem nos apercebemos... 
é demasiado rápido... e desgastante... tudo consome.
e entramos nas nossas vidas e rotinas... e simplesmente esquecemos tudo o que nos rodeia, e que invariavelmente tende a mudar e avança...

deixamos assim só, de lado... para trás pessoas que foram e são significantes nas nossas vidas... e simplesmente esquecemos... e pomos de lado... e deixamos no tempo... e simplesmente esquecemos.
saem do nosso quotidiano...
e desvanecem-se... desaparecem do nosso imaginário e rotinas. e um dia perdem-se porque deixam de fisicamente existir.
e quando morrem deixam saudade... mas deixamos de ser úteis... inúteis.

e ficam assim lá longe... no passado.
nesse passado que no entanto, estrutura e alicerça... faz parte integrante da nossa vida...

agora distante... 
e nessa distância que nos aproxima e convoca a todos os que nos antecederam...
posso afirmar que já não tenho receio algum...
nenhum.

pai, mãe... aí vou eu...
largo os daqui, agarro os daí...


segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

surto > near light | ólafur arnalds



surto > near light | ólafur arnalds



tudo assusta aqui...
verdadeiramente já nada controlo...
e a tudo recorro...

tento manter a calma... a serenidade...
o pulso acelera... e perco o controle...
tento... disfarço... símulo e dissímulo...
mas já não consigo disfarçar...

tudo é agora demasiado óbvio... e rápido...
emergente mesmo... como um surto...
que não urgente... a urgência não serve aqui... impede e condiciona...
imatura e imprópria para momentos como este, agora...
onde se exige... raciocínio... e delicadeza... cuidado e entrega...

tudo é um susto... e na realidade já nada mais assusta.
venha o que vier...
nem todos os dias são bons, são iguais...


terça-feira, 12 de dezembro de 2023

no horizonte > tender calm | nosound

 





no horizonte > tender calm | nosound


a vida agora é outra...
mais curta... sobretudo menos ágil...
e não se compadece...

já não se compadece... porque o tempo urge... e falta...
começa a escassear... sente-se, prevê-se o horizonte...

a vida agora é outra...
menor e mais frágil...
e já nada transparece...
ou mesmo apetece.

a vida agora...

a impossibilidade da possibilidade > familiar | nils frahm





















a impossibilidade da possibilidade > familiar | nils frahm


a impossibilidade.
creio... posso ter descoberto algo... no meio desta impossibilidade.
tornar possível a improvável impossibilidade.
o estranho é ter necessitado de mais de 13 anos para chegar a esta suposição... que não conclusão.
e passo a explicar.
aquando de uma visita ao hospital onde se encontrava internado em final de vida... a um saudoso amigo, que se encontrava fortemente sedado... e onde surgiu a simpática possibilidade de o ver presencialmente... através da permissão dos seus filhos.
fôra lá, como sempre certamente o teria feito... quando soube do seu súbito mas não surpreendente agravamento do estado de saúde.
já o tinha outrora visitado em situação delicada... quando me desloquei aos cuidados intensivos e o encontrei em lenta mas surpreendente e eficaz recuperação... 

agora não.
sabia da sua condição mais débil... da recaída... do agudizar da esperança...

encontrei um amigo... sereno mas agitado... muito frágil... delirante e fortemente sedado... que mesmo assim não deixou de me reconhecer e dirigir algumas palavras... antes de novamente se alhear... 
existia naquele quarto... algum cansaço... alguma descrença mesmo... não que não se pretendesse acreditar ainda... mas a réstia de esperança era já diminuta...
e no meio da agitação e do delírio... surge o reconhecimento e a estranha questão...
porque terá ele enunciado o meu pai... que nunca conheceu...
primeiro dirigiu-se a mim e questionou-me... logo antes mesmo de novamente desfalecer...
tomei aquilo como uma perturbação inconsciente... sobretudo uma alucinação... um discurso incoerente e inconsistente... uma exaltação do espírito... 
porquê mencionar o meu pai, que ele nunca conheceu... e que já na época, tinha morrido há mais de 20 anos?... delírio delirante ou alguma premonição na antecâmara de um qualquer outro lado?...

e, se no entanto, se nunca na realidade tentei perceber a situação... o certo é que nunca totalmente a esqueci...
recordo agora... e questiono o passado... passado tanto e todo este tempo...
posso estar equivocado... simplesmente enganar-me e viver com esta forte improbabilidade...
mas alguma improvável coincidência ali existiu naquele breve momento...
o seu último na minha presença... ou já mesmo em ausência...

posso agora alimentar-me com esta improbabilidade...
a possibilidade da impossibilidade...
ou simplesmente a possibilidade da impossibilidade...

depois da vida, a morte.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

os sonhos impossíveis > nothing at all | brighter










os sonhos impossíveis > nothing at all | brighter


os sonhos são improváveis. os sonhos são impossíveis.

os desejos não. 
os sonhos que sonhamos são imaterializáveis... são assim como nuvens densas e penetráveis... que não se conseguem conter.
os sonhos que sonho, quando sonho, são igualmente impossíveis de captar...

sonho que me sonho nessa praia distante e deserta... quando avisto um vulto que se aproxima e dirige até mim... calmo e luminoso... tão sereno que chega a assustar... e reconheço nele algo familiar... 
mas a consistência é inconsistente... e chego a duvidar mesmo no próprio sonho, do próprio sonho...
nos sonhos tudo é enorme e tangível... e no entanto inalcançável... 
embora tudo pareça real e concreto...

por vezes sonho...
e quando sonho... sonho sobretudo com quem já me morreu...
e isso eu certamente sei... 
o que me devolve e torna os sonhos impossíveis... porque inconcretizáveis.
os desejos esses não.



quarta-feira, 8 de novembro de 2023

voltar > miranda | slowdive










voltar > miranda | slowdive


vão dizer que vais voltar atrás...

mas podes escolher seguir em frente... tu decides.
e enfrentar o lamento. 
lamento, o lamento. 
e detesto a partida.
embora tolere a distância... e não desgoste da ausência...
e até goste de pausas e retorno.

hão-de dizer que ainda vais voltar...



por vezes > 20210310 | ryuichi sakamoto









por vezes > 20210310 | ryuichi sakamoto

por vezes questiono-me...

porque é que as nuvens não caem do céu... não caem sobre nós?
não se abatem sobre nós...

agora que começo a sentir que o tempo já se esgota... convem lembrar...
os lugares por onde também vivi e passei...
as pessoas com quem vivi e que irremediavelmente já perdi...
as músicas intermináveis que em solidão igualmente ouvi...

lembro as tardes quentes de fim de verão na aldeia da beira baixa... a casa grande e alegre da minha avó... cheia de recantos e história... e pessoas...
a doçura da família ao redor da mesa em jantares infindáveis... e as estórias que se deixavam contar... e que fazem parte desta história de memórias... 
a azáfama da preparação das refeições... a cozinha imensa e alta...
no piso térreo a zona da despensa... com os diversos compartimentos e os alqueires... o cheiro a cereais... 
e do lado oposto da entrada principal, a eira... o azeite e o tonel...
a escada de acesso ao primeiro piso... íngreme, demasiado íngreme para tudo e todos... e assim sendo, no topo da mesma, uma corda que permitia abrir a porta sem recurso a qualquer deslocação...
e o assomar à varanda do segundo andar... apenas permitido na companhia de adultos... para ver as luzes dos carros que se aguardavam na distância... o fim de uma exaustiva viagem desde lisboa...
as luzes lá ao longe simulando a sinuosidade da estrada... 
mas igualmente as braseiras... a grafonola e as espingardas penduradas na parede da escada que nos levava ao sótão proibido...
eram assim os finais de verão nessa aldeia escura e calma...
silenciosa e ingénua perdida nos confins a caminho de espanha... 
quando o tempo era ainda outro... vagaroso e carinhoso para connosco...
distante dessa realidade que invariavelmente atravessa a nossa vida... e a altera para sempre...

por vezes questiono-me...
porque é que o tempo não pára para nós?...


em companhia > them | nils frahm






em companhia > them | nils frahm

há um momento em que também tu terás de aprender a usar a dor para crescer... ou simplesmente usar a dor para sofrer. 
porque a dor está lá, esteve sempre lá, desde o momento em que nascemos.
apenas a começamos a entender a partir no momento em que acontece. algo acontece. que quebra o quotidiano e a rotina.
e então tudo se torna irreversível. creio, é prática comum. 
segue-se o vazio... um vazio incrédulo que não permite respirar... e em que nada se entende e acredita... a saudade surge, cresce e assusta... ganha dimensão.
torna-se insuportável... torna-se uma imensidão...
ganha uma proporção até aqui desconhecida... e resta um enorme vazio... oco. onde não existe sentido, para nada.
o tempo torna-se lento... vagaroso... difícil de passar... de enfrentar.
esse é sempre o momento de convivência da vida no confronto com a morte...
esse é o estar com a ausência...
o saber viver com a falta de presença...
o eleger da memória e a saudade...

é o confronto... já não existe conforto...
então... há um momento em que também tu terás de aprender a enfrentar esse momento... e usar a dor para crescer...




segunda-feira, 6 de novembro de 2023

coerência > i had no dream | bing & ruth



















coerência > i had no dream | bing & ruth


coerência. a coerência existe.
temos... devemos ser coerentes. todos, todos nós.
mas nem sempre... 
muitos hesitam... outros tantos deixam-se cair nas malhas da tentação... 
e aí se desvanece a coerência. 
verdade seja dita... é corrente, a generalidade não é coerente... 
provavelmente nunca o foi... jamais o será.

coerência, a coerência existe.
assim como a falta de personalidade... 
que grassa mundo fora...
só assim se poderá entender a massificação dos produtos... dos objectos... dos tempos.
não falo de gosto... o gosto é muito subjectivo...
o desgosto já nem tanto...

porque ao não serem coerentes... 
as pessoas não têm, deixam de ter poder de decisão...
a decisão está tomada... é o que a maioria decidir...
essa é a regra... da modalidade em voga, a moda...
trinta anos depois repetem-se os aos oitenta...
quarenta anos volvidos repetem-se os anos setenta...
essa é a sentença, provavelmente ditada por uma minoria.

detenham-se e tenham um pouco de vergonha.
um pouco mesmo, por muito pequena que seja essa mesma vergonha...
é possível que surja algum vislumbre de pudor... de embaraço... 
de pejo de ser livre e deixar de existir em multidão...
despersonalizados... automatizados e uniformizados conforme a sociedade pretende e propõe...

eu por mim vou ficar aqui a um canto a observar...
e posso simplesmente ouvir o 12 do ryuichi sakamoto... derradeira investida em vida, quando infelizmente já se adivinhava condenado a um minúsculo período de existência... disco maior e provavelmente introspectivo acerca desta nossa passagem e breve existência terrena...
ou optar pelo no home of the mind de bing & ruth...  
porque a seguir irei certamente ouvir species igualmente de bing & ruth...

em qualquer dos casos ficarão bem entregues...
e certamente distantes de uma qualquer incoerência...

sejam coerentes, a coerência existe... 
ou simplesmente... há lá coerência possível... 

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

calmo > air france | blueboy













calmo > air france | blueboy

hoje está tudo mais calmo, muito mais calmo...
e isso reflecte-se... mesmo no que oiço.
comecei a manhã com a companhia sonora do mark kozelek... a que se seguiu the future crayon, uma tranquila compilação dos broadcast.
de momento não hesito e invisto em if wishes were horses dos blueboy...
mas aqui já existe, já reside uma relação... racional.
deparei-me ontem com a edição de singles 1991-1998... vinil duplo onde reside a integra dos singles dos defuntos blueboy... estranhamente editado por uma jovem editora australiana chamada de a colourful storm... que creio é uma espécie de sarah records da actualidade... e onde recuperam e reinam registos pop marginais, de qualidade... e esta edição dos singles dos blueboy é igualmente o pretexto para a primeira edição em cd, dado que até aqui todo o catálogo é integralmente preenchido por edições e reedições em vinil...
um pouco também à maneira da shinkansen recordings...
e igualmente estranho... o que é estranho.
porque terei hoje elegido duas bandas cujos membros mais importantes das mesmas, respectivamente compositores e vocalistas, que já faleceram... estou a falar de keith girdler dos blueboy e trish keenan dos broadcast... o que hoje em dia parece inviabilizar, pouco... a continuidade das mesmas... 

pois é... hoje está um dia mais sereno... 
por aqui está tudo mais calmo...


quinta-feira, 19 de outubro de 2023

doador de orgãos > der abschied | pieter nooten










doador de orgãos > der abschied | pieter nooten


por vezes esqueço.
simplesmente não me recordo. esqueço.
como é o caso destas melodias escondidas neste registo.
este disco é uma pérola... como são tantas outras composições do pieter nooten.
já pessoalmente lhe o referi...
que com a idade estava musicalmente mais sereno e próximo de outros seus contemporâneos... até fisicamente se assemelhava com o brendan perry... o que ele entendeu e bem, como um elogio...

recomecemos então...

este disco é basicamente uma pérola... um tesouro ignorado por tantos e quase todos...
reformulo. estes discos são uma pérola... o que torna tudo ainda mais delicado e delicioso... já que estamos a falar não de um registo... mas sim de dois álbuns.  
e o mais estranho mesmo, é que quando se trata de dois discos... normalmente um é melhor que o outro... o que torna essa assimetria em registos menos coerentes e fortes.
não é o caso aqui. o primeiro compact disc é tão bom como o segundo e vice-versa...

de seu nome haven... é um manancial de melodias calmas e maduras... de uma tranquilidade assustadora... músicas belas e serenas... que não se deixam corroer pelo tempo que passa...
e assim sendo, nesta fase de registos em nome próprio... é sem dúvida o pieter nooten quem sai a ganhar... com discos sólidos e consolidados... e o brendan perry menos prolífero refira-se igualmente... tem melodias soberbas... mas menos consequentes do que as do pieter nooten...

se falarmos nos seus registos anteriores e respectivas bandas... aí os dead can dance são claramente superiores, por serem um pouco melhores (e menos acessíveis) do que os clan of xymox...
creio que com a idade... (brendan perry um pouco mais velho do que o pieter nooten)... ambos se tornaram mais seguros... serenos... auto-suficientes e solitários... se bem que o brendan perry desde há muito que vivia isolado numa igreja, que simultaneamente lhe servia de abrigo e estúdio, a quivvy church... situada no extremo norte da irlanda.

em jeito de conclusão, posso sem dúvida afirmar que estas são as melodias ideais para estes dias chuvosos e de tempestade neste início de outono... e nada melhor do que fazer redescobertas...
e eu por vezes esqueço...


quinta-feira, 12 de outubro de 2023

para a carla > duas simples fotografias | breathless










para a carla > duas simples fotografias | breathless


o tempo passa...
tu sabes, bem sabes como o tempo passa... passa depressa...

tenho agora presente na minha memória duas fotografias. duas fotografias nossas.
a primeira tirada logo no início... junto ao mar, em leça da palmeira... aquando da nossa primeira visita à casa de chá da boa nova...
estamos ambos serenos... cúmplices... creio...
creio nunca termos tido outro registo fotográfico tão próximo e com tamanho entendimento e serenidade como esse...
até agora... até aqui.
duas simples fotografias separadas no tempo... sobretudo em tanto tempo.

volvidos 21 anos, registei com o meu telefone uma sequência fotográfica... onde estranha e novamente surgimos nessa outra dimensão... numa dimensão que nem sempre está ao alcance de alguém... de ninguém... ao nosso alcance...
e igualmente o registo foi junto ao mar... na orla da mata da costa da caparica...

e deixa que te diga... estranhamente estás muito próxima da idade que eu tinha aquando do nosso outro registo... 
o que sendo estranho, não deixa de ser delicioso... sobretudo precioso após todo este nosso tempo conjunto...
começam agora a notar-se os teus primeiros cabelos brancos... o meu está quase integralmente branco... 

a melodia que decidi adicionar a este registo é nem mais nem menos do que you can call it yours dos breathless... mais que não seja, por ter sido companhia assídua em viagens solitárias... e assim provavelmente também ter ajudado a decidir... e a consolidar...

e esta não é apenas mais outra fotografia que empalidece com o tempo... ou irá ser amarrotada numa qualquer impressão ocasional...
esta é uma fotografia nossa... não apenas mais uma fotografia nossa.

e o tempo passa... está sempre a passar...
o tempo inevitavelmente passa...
e nós ainda aqui...

a felisbela > hidden among the leaves | death in june





a felisbela > hidden among the leaves | death in june


não fazia sentido algum, não passar por aqui. nenhum.
seria mesmo uma injustiça... que deveria ser reparada. em tempo.
tem que lhe ser feita justiça...
falo obviamente da felisbela

obviamente não a nossa empregada doméstica a tempo inteiro... mas sim essa nossa familiar... e não estaria a exagerar se a ela me referisse como a suplente da minha mãe.
sempre presente, e quando digo sempre presente... é mesmo sempre presente... 
falo de outros tempos... as mesmas boas pessoas...
tempos em que algumas empregadas domésticas faziam em plenitude parte integrante das famílias... e não eram meras empregadas, criadas de serviço como na época se lhes costumava chamar...

pessoas que connosco partilhavam a plenitude dos dias.. viam televisão... partilhavam as férias e integravam mesmo as refeições de natal.

nunca lhe ouvi um lamento... uma queixa por mais pequena que fosse...
e isso era uma das suas características. a discrição.
e já que em boa verdade estamos em raro tempo de elogio... de referir que tudo o que ela fazia, e fazia tanto... era realmente muito bem feito.
a excepção era na cozinha... onde não sei porque artes mágicas fosse...a felisbela se excedia.
ainda hoje e duas gerações passadas... quem se cruzou com os seus rissóis de camarão... croquetes... favas com ovos escalfados... mesmo o cozido e o caldo verde que nunca apreciei... mas o confeccionado por ela... comia sem hesitação... e tantas outras delícias e doces... fosse na forma do bolo ministro (devo confessar, sempre com a mão indelével da minha mãe)... o pudim flan... mesmo as papas de milho com a casca de limão... 
as omoletas de espargos verdes... o esparregado de espinafres... e as outras delícias sazonais, das quais obviamente tenho de destacar as filhoses de natal...

essa mesma anónima felisbela que teve de carregar com todos os meus invariáveis disparates de uma juventude provavelmente ainda mais disparatada...
essa mesma anónima felisbela sempre disponível para resolver situações... e refeições anómalas, fora de horas de refeições...
essa mesma anónima felisbela que teve de suportar o volume das minhas estranhas opções musicais... impossíveis de combater com o seu pequeno transistor de plástico... 

haverá maior elogio do que a memória trazer de volta tudo o que de bom algumas pessoas nos proporcionaram... sem nós termos à época noção da dimensão desse valor e entrega... 

ou simplesmente percebermos o quanto a nossa vida foi melhor por se ter cruzado com pessoas como a felisbela...  

fica aqui o eterno agradecimento... e o reparo tardio dessa mesma injustiça...
devo-lhe afinal muito... que não tudo...

 

havia esquecido > runway doubts | departure lounge

 










havia esquecido > runway doubts | departure lounge


é estranho. é mesmo muito estranho.
isto não costuma acontecer comigo... muito menos nesta área.

simplesmente havia esquecido o quão bons são os departure lounge.
é que simplesmente não dá para duvidar... muito menos esquecer.
hoje estive a arrumar discos que tirei de caixas vergonhosamente fechadas... há demasiado tempo. demasiado mesmo.
o meu tempo já não se compadece com esta inacção... tenho de ser mais célere e... acelerar...
tenho de desfrutar de todas estas e outras melodias presas ainda no tempo... nesse tempo que já se perdeu e passou... 

e o quão bons são mesmo os departure lounge... será que já o havia esquecido, ou simplesmente apenas não o recordava...
oiço agora desgovernado, e em catadupa... equestrian skydiving... runway doubts... too late to die young... beyond the beltway... charles de gaulle to belleville... obviamente o straight line to the kerb... entre tantas outras melodias...

descubro que houve um regresso tímido em 2021... que gerou o transmeridian... registo que desconheço e irei tentar ouvir... e que creio, não passou despercebido apenas a mim...
mas para já fico-me pela redescoberta dos registos que me são familiares... e que tão bem assentam nestes primeiros dias de outono... 

ou será que a eterna persistência deste calor não permite que o outono este ano exista?...

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

é por isso > new direction | echo & the bunnymen













é por isso > new direction  | echo & the bunnymen


é por isso... é também por isso...
é sobretudo por isso.
é sobretudo por isso que os echo & the bunnymen deixaram de ter interesse.
deixaram de ser interessantes.

os 3 primeiros registos são fortes... concisos e homogéneos... 
agregam e congregam em si melodias muito coesas... que atribuem aos registos uma uniformidade e unidade difíceis de igualar.
mas depois surge o ocean rain... e se todos são unânimes em afirmar que é o seu melhor registo e que igualmente contem o killing moon... anunciado como um dos melhores registos de sempre... mas eu, obviamente, discordo.
crocodiles... sobretudo o heaven up here, mas ainda o porcupine... são muito maduros... sente-se uma enorme evolução e consistência... mas, o que se segue... denota inconsistência...
quando no verão de 1983 surge o never stop... single de má memória, dirigido apenas às pistas de dança... a obra dos echo & the bunnymen nunca mais foi a mesma...
nem o surgimento do the killing moon nesse mesmo ano... veio alterar o percurso anteriormente trilhado...
falamos de registos bons mas dispersos... discos pouco consistentes e coerentes... o foco mais no público, menos na autenticidade da música...

a verdadeira certeza surge aquando do registo do álbum homónimo... onde reside o new direction... anónima e cinzenta, nessa transversalidade igualmente cinzenta e pouco personalizada que caracteriza todo esse registo...
nem a presença do ray manzarek... que finalmente dissipava o fantasma dos the doors... e propositadamente se assumiam as influências maiores... (se é que isso era necessário)... igualmente se dissipavam todas as dúvidas...
aqui o registo new direction surge gravado com a tradicional formação da banda... com a bateria sob o comando de pete de freitas... mas pouco interessante como a generalidade do álbum...

no entanto a versão que reside na compilação crystal days... é sublime... e chega a envergonhar o registo do álbum.
apresenta-se como a versão original... e estranhamente integra dois bateristas, sendo que nenhum deles é o pete de freitas...
foi gravada com david palmer e stephen morris na bateria... e esse mesmo facto confere a esta versão uma presença e força adicional... que nunca transparece na versão gravada propositadamente para o álbum... 
e é aqui, creio, que reside a futura agonia dos echo & the bunnymen...
a produção de gil norton... e a percussão de david palmer (clockdva e the the) e stephen morris (joy division e new order) torna o registo muito denso... forte e coeso... enquanto o registo que surge no álbum, gravado obviamente com pete de freitas... surge mais opaco... menos resistente... enfraquecido e anónimo...

assim sendo, os echo & the bunnymen consolidaram-se nos registos e melodias mais precárias e menos personalizadas... pretensamente na busca de um facilitismo que nunca reinou nos seus três primeiros registos... e que obviamente marcaram o seu percurso. a partir daí.
é assim, sobretudo por isso que se tornaram pouco interessantes... ainda que não totalmente desinteressantes...

é por isso... 
é sobretudo por isso.







segunda-feira, 21 de agosto de 2023

acho que vai chover hoje > luke haines & anthony reynolds




acho que vai chover hoje > luke haines & anthony reynolds


já há algum tempo.

já há muito tempo que andava para falar destes dois... personagens.
o luke haines e o anthony reynolds... alter egos dos the auteurs e dos jack... o que na realidade nem é assim tão bem verdade...
ambos se desdobraram... e desdobram em personas que constroem e integram novas e outras bandas... 
ambos se desdobram em colaborações... e deram origem a inúmeras bandas... sendo que no caso do anthony reynolds, os registos mais evidentes são os jack... os jacques e mesmo em nome próprio... entre tantos outros personagens...
o luke haines, principal mentor dos the auteurs... tem igualmente imensos registos sob diversos nomes, seja mesmo em nome próprio ou simplesmente como baader meinhof... black box recorder... e por aí adiante...
muito mais registos e colaborações existem... em ambos os casos, mas talvez mesmo o mais interessante reside aqui, nestas colaborações e sob estes nomes...
ambos são para além de autores de invulgar interesse... igualmente anormalmente profícuos... e incansáveis melómanos...
o anthony reynolds é um ferveroso admirador dos japan e provavelmente o maior conhecedor (e admirador) da história do david sylvian e companhia. 
mesmo que os próprios integrantes da banda... dado que tem escrito regularmente magníficos livros acerca dos mesmos e sucedâneos... 
é um profícuo escritor de biografias e livros históricos de estórias desde leonard cohen... david bowie... mick karn... dos suede... japan... rain tree crow, david sylvian... entre tantos outros...

o luke haines com uma abordagem mais irónica e rock... o anthony reynolds com um aproximação clássica... mais embrenhado na canção tradicional e por vezes de influência francófona... 
ambos severos críticos do establishment... com genial ironia... que perpassa as suas melodias...

igualmente em comum, a vontade não só da composição musical... mas igualmente da escrita, seja através dos registos em blogues e páginas pessoais de bandas, bem como a edição de livros musicais que com frequência editam...
e ambos sempre foram exímios nos títulos das suas obras... discos... músicas e livros... que inevitavelmente muito dizem acerca das suas personalidades e inteligência... aqui em retrospectiva algo devedora, creio... a esse músico chamado howard devoto...

já há muito tempo...
acho que vai chover hoje...


sexta-feira, 18 de agosto de 2023

o gozo > chill | crispy ambulance


o gozo > chill | crispy ambulance



o gozo que me deu.
sinceramente, tenho o edifício quase devoluto... partiram indiscriminadamente de férias...
e assim sendo posso deixar de me preocupar... e sobretudo posso ouvir música bastante mais alto... muito mais alto do que as interjeições e palavrões com que a vizinha do andar inferior costuma brindar os filhos ainda crianças...

o bem que me soube... vocês não imaginam...
aumentar o volume do amplificador e sentir o som... os graves a ecoarem e baterem no meu peito... fosse através do we move through the plateau phase... ou do chill dos crispy ambulance... do sickhair dos earwig... da versão do murder dos new order... pela mão dos k-x-p... ou simplesmente através de als war's das letzte mal ou alle gegen alle dos daf... ou mesmo do magnífico e majestoso you hung your lights in the trees / a craftsman's touch dos wire... nesse épico duelo vocal do graham lewis e do colin newman...

sei-o agora sem saber... provavelmente já tinha saudades destas verdadeiras tareias sonoras... que tudo envolvem e invertem... e obrigam a um desgaste... talvez muito superior...
porque melodias desta dimensão desgastam pelo poder e pela potência... e concentram uma energia pouco comum... que por vezes se torna demolidora na sua dimensão musical...

e uma vez aqui chegado e regressado... 
provavelmente daqui não quererei mais sair...
o que me poderá comprometer... 
ou simplesmente deixar tudo e todos os vizinhos em apuros...

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

anúncio classificado > black notes | nils frahm











anúncio classificado > black notes | nils frahm 


em arrumações tardias... simplesmente encontrei uma caixa repleta de ingénuos desenhos e cartas trocadas, muitas delas com pessoas que já não recordo...

num envelope branco repousava um pequeno anúncio classificado, que se destinava ao jornal blitz e simplesmente versava assim:


texto a publicar:

o preço da diferença é a solidão.
o preço da solidão é o silêncio.
não oiço the smiths... no entanto...
não quero. no entanto...
como te poderei encontrar... se apenas sei que a gabardine é azul.

assinado:
amoras e ameixas 

segunda-feira, 24 de julho de 2023

24 de julho > if I could | anne clark






















24 de julho > if I could | anne clark


dia 24 de julho... agora é que eu me lembrei. 
foi preciso os instaladores do ar condicionado aquando do pedido de assinatura do documento respeitante ao termo de responsabilidade... e referirem a data do dia de hoje... dia 24 de julho.

farias hoje 99 anos, assim só, número redondo. para o ano seriam e serão 100.
parabéns mesmo que já para ti já nada signifique.
para mim significa tudo.

hoje por momentos esquecida... mas não no esquecimento.

quinta-feira, 29 de junho de 2023

o novo vizinho > through the screen | ólafur arnalds






















o novo vizinho > through the screen | ólafur arnalds

tenho uns vizinhos novos.
na realidade tenho todos os vizinhos novos... dado que eu sou o novo inquilino, o novo vizinho.

vizinho como a senhora idosa do rés-do-chão direito se me refere, sempre que me cumprimenta.
e assumo... não são assim tantos os vizinhos, embora alguns de hábitos estranhos...
as casas são pequenas... demasiado pequenas, e as pessoas fazem dos espaços exteriores, verdadeiras extensões das próprias habitações...
tenho referenciado muitas casas devolutas... vazias... sem vida aparente. e algum descuido ou desleixo...
e outras que preferia ver devolutas... como a família que habita por baixo de nós... e passa os dias a gritar com os filhos... dizendo impropérios, pouco próprios para crianças daquela idade... ou até mesmo para pessoas civilizadas, dado que muito ofende e incomoda... sobretudo porque é demasiado ofensivo para os miúdos... e lá está, já estive disposto a ir-lhes bater à porta e confrontá-los com essas reacções e conduta... mas, hesito e evito... afinal sou o vizinho novo e ali sei que irei fazer certamente má vizinhança... 
não pagam o condomínio desde tempos imemoriais... mas têm dois carros novos e uma mota... e mal tratam os filhos, sobretudo quando se ofendem mutuamente na presença destes...
a ver vamos, até onde aguento... até onde me contenho. 
especialmente pelo meu bem estar e sanidade mental, mas sobretudo pela violência exercida sobre as crianças...
obviamente que irão ser castigados com as minhas melodias estranhas... agora que o meu equalizador regressou finalmente ao activo...

que mais posso dizer... que há um pouco de tudo... 
há uma vizinha nervosa que com frequência vem à varanda fumar cigarros apressados... um funcionário municipal cuja casa aparenta ser uma lástima... mas tem dois carros religiosamente imaculados... que invariavelmente aspira e lava ao fim de semana...
um narcisista provavelmente adepto de nudismo... que fica tempos incansáveis a fumar e a ouvir, imagino, música nos headphones pretos... semi-nu, a contemplar-se no seu reflexo nos vidros da varanda... 

no segundo esquerdo uma viúva de cabelo vermelho... cujo sentido de orientação deve ser nulo... e que, igualmente imagino... faltou sempre às aulas de geografia... dada a forma como sistematicamente dispõe e orienta o pára-sol no vidro do seu pequeno carro...
e depois há os vizinhos do rés-do-chão... esforçados e cujas vidas obviamente se circunscrevem aqui. a este lugar, a este quarteirão, a este fragmento de rua...
a forma como utilizam o espaço público é notável... 
fazem das zonas verdes os seus próprios jardins... das escadas e muretes os seus melhores assentos... vivem conectados com todo o tipo de animais... e têm uma gata imaculada e personalizada... e um cão visivelmente adverso a água...
sim, depois há o ruca... o faísca, como lhe chamo... que notoriamente não me passa cartão algum... mas que é o elemento mais popular de todas as redondezas...
sai cedo, faz vida na rua e tardiamente regressa a casa...
conhece e reconhece toda a populaça... e que uma semana, por breves momentos se apaixonou por uma pequena cadela da rua das traseiras...
mas isso são outras histórias desta nossa nova estória...

tal como a merda do smart cor de rosa pastel que desde sempre aqui permanece estacionado
e o que realmente apetece... 
é pegar-lhe fogo, para o ficar a ver lenta e integralmente consumido pelas chamas, mais aquela tonalidade ofensiva...



segunda-feira, 26 de junho de 2023

sabes > after cease to exist | throbbing gristle





sabes > after cease to exist | throbbing gristle


sabes do que eu gosto? 
do que eu mais gosto?...

sabes do que é que eu gosto...
gosto da tristeza... da melancolia... da solidão.
do isolamento. 
sobretudo na música... gosto da desilusão... da ilusão, mesmo da mera esperança.
é assim que oiço o que oiço... 

ainda hoje recordo a vez de em londres ter o heathen earth dos throbbing gristle nas mãos... e ao olhar para a capa, não ter nem por um momento hesitado...
e ainda hoje inevitavelmente o tenho e oiço.

não, não precisam de me recordar... sei de cor a frase impressa na frente da capa...
"...can the world be as sad as it seems?"