quinta-feira, 26 de abril de 2018


artigos usados > god damn the sun | swans

artigos usados... como a minha mão... a minha mulher... assim só, em segunda mão.
tudo tem o seu tempo... imagino que o saibam...
e tudo tem o seu uso... o seu desgaste... mesmo o descuido e a flacidez.
o tempo tudo gasta... desgasta e desfaz...
e tudo se transforma e torna... mole, flácido e rugoso... já não conseguindo apresentar uma estrutura rígida face à inevitabilidade da gravidade...
como os orgãos... a pele, os ossos...
como as relações... as ligações... as mutações...
artigos assim só... usados, como os da montra de uma velha loja poeirenta...

não param de me alimentar... estas ideias que surgem e agora mesmo me perturbam...
como ideias gastas... estafadas e antigas... 
como artigos usados... gastos... desgastados pelo tempo que passa...
e que não nos possibilita sequer uma pausa... nem que seja para pensar... ou simplesmente descansar...
a noite é traiçoeira... porque assim que surge... a sonolência... e o sono nos abate... o tempo não pára... e invariavelmente acordamos sempre mais velhos e desgastados... do que ao início... da noite...
é traiçoeira a noite... porque imagino... se simplesmente vou repousar... tudo devia estagnar. fazer pausa. uma interrupção que seja. ou apenas passar mais devagar. quem sabe... parar mesmo. interromper... que não corromper e corroer...
não. tudo decorre igual... e assim sendo... quando desperto... apenas estou um pouco mais descansado... mas acima de tudo, um pouco mais velho. e gasto. e corroído... nessa corrosão que segundo a segundo nos desgasta e decompõe.
apenas é necessário ter essa consciência.
e pelo que agora mesmo oiço... god damn the sun... o michael gira dos swans... tem essa consciência.



terça-feira, 24 de abril de 2018

 


desfocado > dislocation | john foxx


hesito...
acreditem que hesito...
não sei se vou falar de dislocation... john foxx & louis gordon...
ou de dislocated... jori hulkkonen & john foxx... e ainda hesito...
acho mesmo que de tanta hesitação... não irei ter exito...
algum... nenhum.

talvez por serem ambas demasiado agradáveis... para se poderem evitar.
esta electrónica fria... e urbana que o john foxx sempre nos presenteou...
e que arrasta e perpetua desde esse longínquo ano de 1977... sim, 1977...
e que já invocava o I want to be a machine... the frozen ones... artificial life... the man who dies everyday... ou simplesmente a catarse de my sex... ou hiroshima mon amour...
sim, eu sei... tem havido sempre momentos introspectivos... mais intimistas... diria mesmo, religiosos...
senão oiça-se a trilogia de cathedral oceans... ou simplesmente esse portento que dá pelo nome de translucence+drift music... e entenda-se o quanto a pop pode ser sublime... e soberba... melancólica e imensamente triste...
as diversas encarnações e duplas que foram surgindo... nunca alteraram o rumo da coisa.
senão oiça-se a parceria com os the maths...
john foxx e a sua inconfundível assinatura...

sempre foi assim... electrónico e sentimental...
sempre electrónico... como desde sempre... 
frio mas sentimental...
seco... ausente... mas presente.

terça-feira, 17 de abril de 2018













confuso, não estou > gone | the comsat angels


acabei de perceber que não sei para onde vou.
apenas sei que vou.
não importa. haverei de lá chegar.

acabei de perceber... que ao perceber que não para onde vou...
provavelmente estarei perdido... 
mas perdido sempre estive... apenas evitei... e disfarcei bem.

mas, não te despeças já de mim.
irei partir... mas ainda não vou.
não te despeças já de mim... ainda aguento um par de dias... assim.
aguento mais um par de dias, aqui...

depois tal diz a melodia... partirei... sem destino...
porque no desconhecido... nada se antecipa... nada se antevê.
tudo se desconhece... se é que algo se reconhece...
lamento dizer... mas o que há para ver... onde nada há para ver...
o que se pode fazer... onde nada à fazer...
o que há a dizer... onde nada há para dizer...
o que poderá existir... onde nada existe... onde nada subsiste...

e cheguem-se aqui... assim perto...
pretendo contar-vos um segredo... mas, chiu... não digam a ninguém...
não digam nada a ninguém...
mas é que estou mesmo a ficar gasto... sem memória... alguma. nenhuma mesmo.
para além de por vezes não conseguir associar caras a nomes...
dei comigo a olhar para uma pinça... e não recordar o nome.
instrumento familiar... e o pânico do meu raciocínio...
apenas presente em mim... quando me apercebi... deste transtorno em mim...
será acidente... será incidente...

mas, confuso... não estou.
estou ciente desta minha nova condição... 
que até ver não representa qualquer confusão.



sexta-feira, 13 de abril de 2018





















86% do tempo > smoke signals | houses


esgotei o tempo... esgotei o tempo quase todo.
fiz assim contas... umas contas por alto...


esgotei o tempo... quase todo.

fiz assim umas contas... umas contas por alto…
se viver… na hipótese de viver até aos 70 anos… o que me parece deliberadamente um exagero…
já gastei 86% do tempo da minha vida… da minha existência.
e acredito… fixei essa meta… esse prazo…
dada que foi a idade com que mais ou menos o meu pai morreu…
e… embora eu tenha aparentemente um pouco mais de saúde… não se sabe. nunca se sabe.
assim sendo o que depreendo… é que o tempo todo está a esgotar-se… está a findar…
esse tempo todo que era tudo... acaba em rigorosamente nada.
e apetece fazer… nada.
apetece dizer nada.
nem mesmo ficar assim inquieto perante tal realidade…tamanha crueldade.
o que se pensa quando não se pensa?…
o que se diz quando não se pensa?…

a vida é uma situação dramática… toda a vida…
aguardando o fim… esse fim que diária e inequivocamente se aproxima…
mas 86% por cento do tempo… não tinha essa noção. 
não tinha noção alguma… nenhuma mesmo.
e todos os planos… todos os desejos…
todos os projectos… e todos os objectivos…
sim… digam-me…
o que pensar…
o que fazer.

eu por mim… ainda dormente e confuso... aproximo-me lentamente da estante…
e metodicamente retiro o disco dos houses
a quiet darkness… talvez o mais apropriado, digo eu… que introduzo no leitor de cd…
primo o botão play… e automaticamente avanço até à melodia 8… smoke signals
e num vislumbre… assim sentado, enquanto a música se inicia…
ainda penso… oitenta e seis por cento de nada…
quando eu ainda queria tanto... e tudo...


quarta-feira, 11 de abril de 2018





















cadeiras de plástico > pay attention to life | piano magic


não sei.

já não sei. acreditem... já não sei... nada. rigorosamente nada.
tudo me escapa... tudo me falha...
a minha existência tornou-se um rodopio... um tornado que não controlo.
acreditem... já nada sei... rigorosamente nada mesmo sei. nada.
tudo me foge, tudo se extravia... tudo se desmorona... e esvazia.

e neste turpor existo... esvaziado já de crédito... vazio de significado.
tudo está... fica e permanece, dormente... 
numa estranha dormência... que impede... tudo impede...
e já nada mais me impele... porque este turpor...

e assim sendo... aguardo...
apenas aguardo o desenlace... que deverá ser o fim... dado isto parecer não ter fim.
ou como reza a melodia dos piano magic... disaffected...
tudo pode acontecer na vida...
especialmente nada... principalmente nada.
e só assim eu posso já ter atenção a esta vida... que é a minha...
e que da minha parte... não me merece atenção alguma... nenhuma.