triumph dolomite 1200 > o tempo de outros tempos
o carro seguramente já não existe. tão pouco o seu dono.
ficaram perdidos no tempo que entretanto passou... e igualmente retidos na minha memória.
posso falar do triumph dolomite verde escuro... religiosamente parado em frente da casa do seu proprietário, naquela praceta calma e sombria da cidade... mas também do ford anglia cinzento guardado com muito zelo... ou apenas da carrinha peugeot 304 azul escura e discreta.
todos eles fazem inequivocamente parte da minha vida... por tantas e todas as razões.
seja através do senhor lopes... marido da dona ester, professora de piano e mãe do luís e do filipe... do comandante que tanto e todos aturou... e invariavelmente emprestava o seu triumph verde escuro ao rui ou ao joão... ou a carrinha peugeot do meu tio rui... que rapidamente e cruelmente foi deixada para trás em prol de um triumph mga descapotável...
podia falar dessa relíquia que era esse fiat 126... que consistentemente nos levava a qualquer praia madrugada cedo... e que nunca, mas mesmo nunca nos deixou ficar mal... na perseguição e busca das melhores ondas em todos e quaisquer dias do ano...
mas seguramente seria indelicado deixar de fora as carrinhas mazda... uma azul escura e a outra branca... que diariamente nos transportaram até ao 2001... noite a pós noite... e acreditem não é exagero algum. nenhum.
éramos frequentadores assíduos... e quando digo assíduos era mesmo, todas as noites...
era essa efeverscência de música nova... a ânsia da descoberta... que depois invariavelmente nos obrigava selectivamente a comprar os discos mais interessantes que assim íamos descobrindo...
também por aqui por aqui passou a minha consistência e cultura musical. posso afirmar que os alicerces talvez aqui residam.
a música era outra. porque a condição era outra.
havia uma urgência na descoberta... sobretudo porque nada estava ali assim tão acessível e perto de se chegar.
o acesso era mesmo muito limitado... a dimensão das edições idem... e o tempo urgia...
e tanto havia por desbravar e descobrir...
e os acessos eram sempre os mesmos...
ou altas horas da noite... o john peel... bastas vezes indecifrável...
o antónio sérgio mais próximo, igualmente noite dentro... mas um decalque e fotocópia... especialmente para quem tinha acesso ao radio 1 do john peel...
havia também particular e religiosamente aos sábados das 11 às 13 horas... o aqui rádio silêncio... do jaime fernandes... que nos ia depositando pérolas avulso... que não propriamente novas descobertas ou edições... antes adições consistentes... que igualmente ajudaram a cimentar. uma cultura musical que inconscientemente se ía depositando, e igualmente nos afastava do comum melómano...
e foi com base nestes sedimentos que se fez o caminho... e assim fomos caminhando... tardes passadas no chão de madeira daquele exíguo quarto situado no bairro dos actores... onde nos deliciávamos e hipnotizados ali permanecíamos a repetidamente escutar os discos que nos chegavam de inglaterra... criteriosamente e antecipadamente seleccionados nos poucos catálogos das distribidoras da época... o que nem sempre conferia a chegada segura e o sucesso das prévias compras.
e sobretudo demorava. demorava a chegar.
e essa demora era importante. mesmo muito importante.
porque atribuía significado e importância ao que acabáramos de comprar...
e essa demora atribuía preciosismo aos nossos novos pertences...
hoje tudo mudou...
menos o ser humano.
continuo a ver esse mesmo brilho no olhar das raparigas e rapazes que "descobrem" os discos surrados e em décima terceira mão... que já antes os pais ouviram... e jazam a preços proibídos nas estantes das lojas de segunda mão... e onde a história e o mofo habitam e coexistem...