segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

factum | eduardo gageiro























factum | eduardo gageiro 


foi no sábado pela tarde.
fui ver a exposição do eduardo gageiro na cordoaria nacional.
entendo muito bem a generalidade dos seus registos fotográficos... também eu vivi parte daquela realidade.
e sempre previlegiei as fotografias a preto e branco... pelo que, e após ter visto uma entrevista sua na televisão... me dispus a ir ver essa sua mostra fotográfica.
sinceramente não o esperava encontrar presente... e muito menos quando fui acidentalmente apanhado a tirar registos com o meu telemóvel...

nada de mais embaraçoso me poderia acontecer...
estava eu a tirar uma fotografia... a uma fotografia sua... e eis que oiço a sua voz ao longe... nada disso foi encenado, dizem que as minhas fotografias eram todas encenadas.
e eu... muito embaraçado... mesmo na distância que ainda nos separava, prontamente lhe pedi desculpa...
era inadmissível... foi um erro crasso... comprometedor. eu, ali a registar com o meu telemóvel... as suas magníficas fotografias...
heresia suprema...
uma exposição onde estavam igualmente patentes as suas máquinas fotográficas... fossem hasselblad... canon... nikon... ou mesmo ampliadores leitz... vergonha imensa.
eu ali, estático... a tentar o meu melhor... com um telemóvel... como realmente o entendo...
mas no meio de tanto desconforto e atrapalhação... não... não era o facto dos meus registos hereges que lhe haviam despertado a curiosidade...
antes pelo contrário... era a necessidade de uma simples explicação... de que nada havia ali de simulado... tudo tinha sido feito e registado directamente.
e eu ali... infantilmente ainda a tentar justificar-me... de telemóvel desconfortável nas minhas mãos...
mas eduardo gageiro prontamente disse... esteja descansado, tire as fotografias que quiser tirar...
isso ainda veio adensar mais o meu desconforto... dado eu ter igualmente sido um utilizador da fotografia analógica em todas as suas vertentes... desde o processo do registo fotográfico até à revelação e execução das mesmas...

achei curioso a minha natural tentativa de me esquivar do autor,  dada a pretensão dos ditos registos hereges... ao invés da maioria dos presentes... que prontamente se acercavam dele... para uma pequena conversa ou simples registos fotográficos que incluíam o mesmo...
e eu, ali... desconfortável e desconcertado... a ser sistematicamente confrontado com a sua argúcia e curiosidade...

igualmente me aconselhou a deter-me no piso superior, num registo fotográfico da amália rodrigues... e a ler o respectivo texto de sua autoria que acompanha o mesmo.
mais tarde juntou-me a mim... e indagou acerca da referida fotografia... não sem antes de se ir embora, me convidar a deixar uma pequena nota no livro de honra... e a folhear um ou outro livro de fotografia presente...

conforme idiotamente referi no livro... gostei da exposição... e mais do personagem...



segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

em viagem > le miroir d'amour | lubomyr melnyk




em viagem > le miroir d'amour | lubomyr melnyk


soube de ti.
durante muito tempo não soube de ti. simplesmente havia perdido o contacto... não havia rasto.
agora, se calhar tive sorte... ou mais azar, depende da perspectiva.
não sei, ainda não sei.
ouvi falar de ti num almoço onde fui convidado por um amigo... um colega de trabalho.
e pela história... pela descrição... imaginei que poderias ser tu... poderiam estar a falar de ti...
pela abordagem... pela profissão, pelo trabalho desenvolvido... 
e estavam.

percebi que havias deixado o teu emprego de sempre... havias arriscado num trabalho teu... imagino, aquele com sempre havias sonhado... e tinhas agora a tua própria empresa.
e que estava a correr bem, bastante bem...
fiquei feliz... genuinamente feliz.

que havias casado e tinhas dois filhos... ainda crianças... e que entretanto te havias separado... mas ainda vivias na mesma cidade que te viu nascer...
eventualmente consegui o teu contacto telefónico... esse sim, já outro, diferente do que eu sempre conhecera...
desde então já por diversas vezes hesitei em telefonar-te... mas hesito sempre e evito...
não sei o que irei encontrar... em que condição poderei ser recebido...
e se um dia ganhar coragem e te contactar... simplesmente digo-te...
não venhas cá... eu irei até aí... e possivelmente beberemos um café naquele pequeno e estranho café junto da central de camionagem... e antes de partir provavelmente ofereço-te uma nova gravação do lubomyr melnyk... já muito distante daquelas dos no-man com que te costumava presentear...
e quem sabe... pode ser que essa viagem um dia se concretize... nem que seja através desta mera miragem.

afinal, soube de ti.







 

profundamente > from safety to where...? | joy division







profundamente > from safety to where...? | joy division


morrer é dormir mais fundo... 
apenas mais profundo. sempre.

morrer é dormir... mais fundo. mais profundo.
profundamente. sempre.

morrer é dormir... mais fundo.
mais profundamente. e para sempre.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

o isolamento > decades | joy division





















o isolamento > decades | joy division


a vida muda e adapta-se.
também aqui e agora sinto isso...
creio que existe em mim um maior isolamento... uma maior distância aos outros. a todos.
não foi propositado. aconteceu.
simplesmente aconteceu.
não existe grande afinidade... se assim lhe posso chamar, com a generalidade das pessoas.
não há lugar a identificação... significado.
se for a ver... talvez tenha sido sempre assim... ou muito assim, durante grande parte do tempo.
sempre tive um entendimento e entrosamento... sempre tive um vida social activa... rodeado de inúmeros... imensos amigos e familiares... e no entanto...
com o passar do tempo... o distanciamento surgiu natural, naturalmente... 
não havia integração... as minhas ideias e olhares eram sempre demasiado diferenciados da generalidade das pessoas...
os filmes... os livros, os autores... sobretudo a música não encaixava nos grupos onde me inseria.
qual dos meus amigos ouvia nessa época os discos dos throbbing gristle e dos cabaret voltaire... que eu avidamente adquiria em fugas rápidas a inglaterra...
quem dedicava serões a rever os filmes do stanley kubrick... a ler a totalidade de livros que encontrava de autores como beckett... cocteau e da marguerite duras... a descobrir autores como pollock... malevich... ou até mesmo sieff e roger dean e giger... ou a prescindir de jantares de aniversário para permanecer no silêncio do quarto a ouvir o closer dos joy division... ou o heathen earth dos throbbing gristle...

havia uma enorme identificação e afinidade... sobretudo com desconhecidos... e não tanto com as pessoas que fundavam os meus círculos de amizade...
e, se isso me construía, solidificava e consolidava... o isolamento igualmente ia crescendo... mesmo sem intencionalidade. 
essa estabilidade e consistência nunca eram vistas como sinal de diferenciação...
há momentos na nossa vida... provavelmente de afirmação... onde existe o recurso (e a necessidade)... a este género de estratagemas... a simples tentativa de ser diferenciado...
isso acontece muito na juventude... ou por necessidade... ou intencionalmente... ou até por ambas.

comigo não foi assim, nunca foi assim.
não houve necessidade, essa necessidade.
provavelmente sempre fui diferente... mesmo sem inicialmente me ter apercebido...
o maior choque e provável maior confronto com essa realidade, deu-se, aquando da minha entrada na faculdade... 
a escola de belas-artes era um mundo diferenciado... onde as pessoas deviam ser todas interessantes e inteligentes... 
mas rapidamente descobri pouca habilidade... pouca afinidade... incultura?... aculturação?...
éramos jovens... estávamos em momentos de descoberta e afirmação... os nossos antecedentes e meios ditavam um universo fecundo e enriquecedor... que se viria a revelar um fiasco.
aqui já a minha construção integrava a todo um núcleo de pensadores e constructores... habilidosos movimentos... notáveis para mim... como o neville brody... o peter saville e o vaughan oliver... a par do beuys... do bacon, do lucian freud... do virilio... do kurt schwitters, do ballard... baudrillard... entre tantos outros que novamente moldavam... cimentavam e faziam avançar a minha carruagem em movimento...
mesmo junto da minha prole de eleição... as diferenças existiam... e por vezes até se acentuavam...

comigo foi assim, sempre foi assim.
aquando do meu avanço para um doutoramento que nunca se viria a concretizar... novamente descobri... essa mesma diferenciação.
o que nesta fase já era muito boa... porque natural e afirmativa.
construía o que em mim tinha significado... e era sempre aceite... sobretudo pelo olhar diferenciado de todos os indiferentes... o que me permitia uma liberdade quase infindável... mesmo na eterna descrença dos meus colegas e orientadores... que viam nas minhas referências e referenciais... um enorme problema.
porque um obstáculo. difícil de ultrapassar. 
inultrapassável, por desconhecimento... por esse eterno medo latente do desconhecido... que nos impossibilita de avançar... e concretizar, seja lá o que isso for.
e os entraves foram imensos e sucederam-se a um ritmo alucinante... o que e novamente mesmo junto da minha prole de eleição... se revelou inoperacional.

agora já não éramos tão jovens... estávamos em momentos diferenciados de descoberta... mesmo que os nossos antecedentes e experiências ditassem e previssem um universo fecundo e enriquecedor... 
já não existiam desculpas para a falta de cultura... conhecimento... iliteracia mesmo.
residia aqui um analfabetismo funcional... uma incapacidade para perceber... interpretar... simplesmente avançar. 
mesmo junto da minha prole de eleição... as diferenças e os obstáculos existiam... e por vezes até se acentuavam...
e agora já não existia a desculpa da idade... dos ideais e de uma juventude que o john peel tanto gostava... pela eterna rebeldia... sintetizada nessa sua adorada melodia que viria a revelar-se no seu epitáfio... oriunda dos the undertones... e que reza simplesmente assim...
our teenage dreams so hard to beat.

afinal não era simples coincidência. havia motivo, havia razão.
closer... de perto... para mais perto. mais próximo. íntimo.