o isolamento > decades | joy division
a vida muda e adapta-se.
também aqui e agora sinto isso...
creio que existe em mim um maior isolamento... uma maior distância aos outros. a todos.
não foi propositado. aconteceu.
simplesmente aconteceu.
não existe grande afinidade... se assim lhe posso chamar, com a generalidade das pessoas.
não há lugar a identificação... significado.
se for a ver... talvez tenha sido sempre assim... ou muito assim, durante grande parte do tempo.
sempre tive um entendimento e entrosamento... sempre tive um vida social activa... rodeado de inúmeros... imensos amigos e familiares... e no entanto...
com o passar do tempo... o distanciamento surgiu natural, naturalmente...
não havia integração... as minhas ideias e olhares eram sempre demasiado diferenciados da generalidade das pessoas...
os filmes... os livros, os autores... sobretudo a música não encaixava nos grupos onde me inseria.
qual dos meus amigos ouvia nessa época os discos dos throbbing gristle e dos cabaret voltaire... que eu avidamente adquiria em fugas rápidas a inglaterra...
quem dedicava serões a rever os filmes do stanley kubrick... a ler a totalidade de livros que encontrava de autores como beckett... cocteau e da marguerite duras... a descobrir autores como pollock... malevich... ou até mesmo sieff e roger dean e giger... ou a prescindir de jantares de aniversário para permanecer no silêncio do quarto a ouvir o closer dos joy division... ou o heathen earth dos throbbing gristle...
havia uma enorme identificação e afinidade... sobretudo com desconhecidos... e não tanto com as pessoas que fundavam os meus círculos de amizade...
e, se isso me construía, solidificava e consolidava... o isolamento igualmente ia crescendo... mesmo sem intencionalidade.
essa estabilidade e consistência nunca eram vistas como sinal de diferenciação...
há momentos na nossa vida... provavelmente de afirmação... onde existe o recurso (e a necessidade)... a este género de estratagemas... a simples tentativa de ser diferenciado...
isso acontece muito na juventude... ou por necessidade... ou intencionalmente... ou até por ambas.
comigo não foi assim, nunca foi assim.
não houve necessidade, essa necessidade.
provavelmente sempre fui diferente... mesmo sem inicialmente me ter apercebido...
o maior choque e provável maior confronto com essa realidade, deu-se, aquando da minha entrada na faculdade...
a escola de belas-artes era um mundo diferenciado... onde as pessoas deviam ser todas interessantes e inteligentes...
mas rapidamente descobri pouca habilidade... pouca afinidade... incultura?... aculturação?...
éramos jovens... estávamos em momentos de descoberta e afirmação... os nossos antecedentes e meios ditavam um universo fecundo e enriquecedor... que se viria a revelar um fiasco.
aqui já a minha construção integrava a todo um núcleo de pensadores e constructores... habilidosos movimentos... notáveis para mim... como o neville brody... o peter saville e o vaughan oliver... a par do beuys... do bacon, do lucian freud... do virilio... do kurt schwitters, do ballard... baudrillard... entre tantos outros que novamente moldavam... cimentavam e faziam avançar a minha carruagem em movimento...
mesmo junto da minha prole de eleição... as diferenças existiam... e por vezes até se acentuavam...
comigo foi assim, sempre foi assim.
aquando do meu avanço para um doutoramento que nunca se viria a concretizar... novamente descobri... essa mesma diferenciação.
o que nesta fase já era muito boa... porque natural e afirmativa.
construía o que em mim tinha significado... e era sempre aceite... sobretudo pelo olhar diferenciado de todos os indiferentes... o que me permitia uma liberdade quase infindável... mesmo na eterna descrença dos meus colegas e orientadores... que viam nas minhas referências e referenciais... um enorme problema.
porque um obstáculo. difícil de ultrapassar.
inultrapassável, por desconhecimento... por esse eterno medo latente do desconhecido... que nos impossibilita de avançar... e concretizar, seja lá o que isso for.
e os entraves foram imensos e sucederam-se a um ritmo alucinante... o que e novamente mesmo junto da minha prole de eleição... se revelou inoperacional.
agora já não éramos tão jovens... estávamos em momentos diferenciados de descoberta... mesmo que os nossos antecedentes e experiências ditassem e previssem um universo fecundo e enriquecedor...
já não existiam desculpas para a falta de cultura... conhecimento... iliteracia mesmo.
residia aqui um analfabetismo funcional... uma incapacidade para perceber... interpretar... simplesmente avançar.
mesmo junto da minha prole de eleição... as diferenças e os obstáculos existiam... e por vezes até se acentuavam...
e agora já não existia a desculpa da idade... dos ideais e de uma juventude que o john peel tanto gostava... pela eterna rebeldia... sintetizada nessa sua adorada melodia que viria a revelar-se no seu epitáfio... oriunda dos the undertones... e que reza simplesmente assim...
our teenage dreams so hard to beat.
afinal não era simples coincidência. havia motivo, havia razão.
closer... de perto... para mais perto. mais próximo. íntimo.