segunda-feira, 8 de abril de 2024

os anos noventa > awaiting | lubomyr melnyk









os anos noventa > awaiting | lubomyr melnyk


os anos noventa.
os anos noventa foram importantes para mim. 
foi uma década marcante para mim. decisiva.
pelas melhores e pelas piores razões. 

pelas piores razões... porque o meu pai morreu logo no início da década, quase no início do ano e da década. 
e isso obviamente determinou e condicionou toda a minha existência a partir desse momento... e marcou e moldou a minha vida. a que a partir daí, desse momento passei a viver.

mais tarde, e pelas melhores razões, o nascimento dos meus filhos... que foi determinante para tudo o que se seguiu. até hoje, até sempre direi eu...
percebi nesse momento, a insignificância do eu, omnipresente até então... 
e a verdadeira fragilidade e importância de terceiros, verdadeiramente o significado e o foco da minha vida a partir de então... 

se na morte do meu pai... muito de mim, sem o adivinhar, morreu nesse preciso momento... reavivando-se aquando do nascimento deles, e fazendo dessas minhas memórias a verdadeira comunhão... de uma vida que tinha de acontecer desse modo.

tenho ainda agora em mim, uma mágoa genuína que não se tenham conhecido... ainda que o meu pai esteja presente na vida dos meus filhos, através das estórias que lhes vou contando e vivemos assim essa estranha harmonia, de uma ausente presença que por vezes faz parte de nosso quotidiano.
a esse lapso, apenas a mim posso imputar culpas... sem desculpa alguma... dado sentir um estranho carinho salutar em todas essas relações que por acidente e incúria minha, não vieram a coexistir, sobretudo numa época em que isso teria obviamente sido possível.
não fomos todos acidentalmente contemporâneos por pouco... mas existimos assim num universo de memórias e histórias contadas e objectos que também eles resistam, significam e contam os nossos antepassados, e demonstram o tempo que entretanto se consumiu.
os objectos são grandes catalisadores e agregadores de estórias... e ajudam, cimentam e transmitem a novas gerações... as nossas vivências e memórias... 

essa talvez a verdadeira importância dos anos noventa do passado século XX...
para mim indubitavelmente. e para a minha vida... até aí... a partir daí...
nos idos anos noventa.


 

quarta-feira, 3 de abril de 2024

terça-feira > waiting | ultravox




terça-feira > waiting | ultravox 


soube-o agora.
soube-o à pouco, numa mensagem partilhada pelo john foxx no instagram. 
morreu o chris cross
foi baixista dos ultravox... transversal a muitas e quase todas as gerações e mutações. pelo menos as mais interessantes...
desaparece assim mais uma fantasmagórica companhia da minha juventude.
houve tempos em que os ultravox liderados pelo carismático john foxx, foram a banda a que dediquei mais atenção, o systems of romance foi fulcral e basilar na consolidação da minha estrutura do meu edificado sonoro. também ali residem os alicerces, a par com o robert fripp... o peter hammill... o brian eno... john foxx, gary numan e quejandos...

desmorona-se assim uma vez mais esse mesmo edificado... cujo estrutura se foi construindo e alicerçado... e agora o tempo corrói... e destrói algumas das principais figuras que o compunham.

todos saem e partem desta fracção terrena... 
e abanam as nossas convicções e pensamento.
qualquer dia resta ninguém...
fim da linha.


quarta-feira, 27 de março de 2024

o local do crime > velvet | the big pink




o local do crime > velvet | the big pink



foi propositado. sim, foi de propósito. 
os dois anteriores textos tem em comum uma imagem do jeanloup sieff a acompanhá-los.
foi propositado, foi intencional.

foi propositado. sim, foi de propósito. foi intencional.

também nunca antes havia reparado.
mas quando estava num processo de escolha e selecção de imagens, aconteceu.
procurava entre fotografias do jeanloup sieff... por registos para ilustrar um texto e mesmo um powerpoint... quando me deparei com esta similitude.
havia registos de sessões fotográficas nos mesmos lugares, neste caso concreto, no mesmo quarto. que continham imensas semelhanças.
não sei se os registos foram feitos na mesma sessão... se em momentos distintos.
não é no entanto vulgar, um fotógrafo recorrer ao mesmo lugar, sobretudo à mesma cena e encenação, até luz... para fotografias distintas. sobretudo com modelos diferentes.
o espaço está invulgarmente idêntico... nada foi alterado, não existiu alguma preocupação com toda a envolvente, nenhuma. simplesmente está tudo no seu lugar. 
no mesmo lugar, em ambos os registos. 
as peças estão nos mesmos lugares, cirurgicamente nos mesmos lugares... intocáveis e intocadas... apenas a luz e o sol divergem... e alguns papéis que estavam pousados na escrivaninha...

uma das fotografias é inclusivamente a capa de um dos seus diversos livros... faites comme si je n'étais pas là... que eu tenho pousado numa pequena mesa na sala. 

e quem diz que o criminoso volta sempre ao local do crime que se desengane...
é que regressa mesmo...



terça-feira, 26 de março de 2024

agora > roman holiday | fontaines dc






agora > romain holiday | fontaines dc


agora já não tenho dúvida alguma. nenhuma.
os fontaines d.c. são os bauhaus do século XXI.
se alguma dúvida restasse, bastaria ouvir hurricane laughter para as dúvidas se dissiparem. e a certeza se instalar.
em tantas melodias ecoam os fantasmas de in a flat field e mask... em ambientes e guitarras demasiado óbvias para não ser possível a indiferença ao som dos bauhaus
os fontaines d.c. não são punks... embora por vezes o pretendam, ensaiem e assumam.
o punk já não existe... já não é uma possibilidade...é antes uma improbabilidade
atitudes desviantes apenas são singulares e autónomas hoje em dia... já não existe pretenso movimento... sobretudo porque já não existe uma unidade e um descontentamento generalizado que o justifique. a juventude actual está mais empenhada em arranjar um emprego e em tentar ser bem remunerado... para se poder reformar o mais breve possível.

ou seja... os fontaines d.c. neste aspecto estão sozinhos e isolados... se é que o estão, ou são.
praticam uma música povoada de fantasmas da new wave... onde indiscriminadamente circulam os espectros dos the cure... os bauhaus... siouxsie & the banshees... e tantos outros descontentes e rebeldes, inconformados com a sociedade que lhes foi contemporânea nesses idos anos de 70 e 80 do século passado...
agora... agora é outra história... porque são outros tempos... 

ou seja... os fontaines d.c. inicialmente praticavam uma música suja e crua... sobretudo mal produzida, se calhar até intencionalmente mal produzida... para se assemelharem a bandas mais punk... mas a essência creio, era mesmo a new wave... e o pós-punk... e talvez nem eles ainda o soubessem.
a rebeldia avulsa é isso mesma... avulsa. e aí fica.
não é um movimento... que toca e contagia... e que evolui e avança...

ou como diziam os the sisterhood...
we forgive as we forget...


segunda-feira, 25 de março de 2024

vida normal > indexed to impulse | future conditional





vida normal > indexed to impulse | future conditional


sinceramente não ganho nada com esta conversa, só nervos... disse prontamente a rapariga, provavelmente numa derradeira tentativa de pôr fim à mesma.

a situação era delicada... a discussão havia escalado... e estava tudo descontrolado. sentia-se um enorme desconforto no ar.

os tubarões haviam infestado todo o espaço. era hora de partir... e tudo deixar para trás, num impulso de sobrevivência...

a noite programada... havia-se extinguido... as propostas e perspectivas eram agora nulas, restava regressar a casa e tentar adormecer sózinho... como tantas e quase todas as noites.

havia sido uma noite frustrante... não era suposto este grau de tensão... antes, era suposto uma noite descontraída e de diversão... e agora ali estava eu, sózinho e sem perspectiva de uma noite melhor.

sinceramente não ganho nada esta noite... apenas me enervo mais...

vou fazer uma vida normal.


segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

factum | eduardo gageiro























factum | eduardo gageiro 


foi no sábado pela tarde.
fui ver a exposição do eduardo gageiro na cordoaria nacional.
entendo muito bem a generalidade dos seus registos fotográficos... também eu vivi parte daquela realidade.
e sempre previlegiei as fotografias a preto e branco... pelo que, e após ter visto uma entrevista sua na televisão... me dispus a ir ver essa sua mostra fotográfica.
sinceramente não o esperava encontrar presente... e muito menos quando fui acidentalmente apanhado a tirar registos com o meu telemóvel...

nada de mais embaraçoso me poderia acontecer...
estava eu a tirar uma fotografia... a uma fotografia sua... e eis que oiço a sua voz ao longe... nada disso foi encenado, dizem que as minhas fotografias eram todas encenadas.
e eu... muito embaraçado... mesmo na distância que ainda nos separava, prontamente lhe pedi desculpa...
era inadmissível... foi um erro crasso... comprometedor. eu, ali a registar com o meu telemóvel... as suas magníficas fotografias...
heresia suprema...
uma exposição onde estavam igualmente patentes as suas máquinas fotográficas... fossem hasselblad... canon... nikon... ou mesmo ampliadores leitz... vergonha imensa.
eu ali, estático... a tentar o meu melhor... com um telemóvel... como realmente o entendo...
mas no meio de tanto desconforto e atrapalhação... não... não era o facto dos meus registos hereges que lhe haviam despertado a curiosidade...
antes pelo contrário... era a necessidade de uma simples explicação... de que nada havia ali de simulado... tudo tinha sido feito e registado directamente.
e eu ali... infantilmente ainda a tentar justificar-me... de telemóvel desconfortável nas minhas mãos...
mas eduardo gageiro prontamente disse... esteja descansado, tire as fotografias que quiser tirar...
isso ainda veio adensar mais o meu desconforto... dado eu ter igualmente sido um utilizador da fotografia analógica em todas as suas vertentes... desde o processo do registo fotográfico até à revelação e execução das mesmas...

achei curioso a minha natural tentativa de me esquivar do autor,  dada a pretensão dos ditos registos hereges... ao invés da maioria dos presentes... que prontamente se acercavam dele... para uma pequena conversa ou simples registos fotográficos que incluíam o mesmo...
e eu, ali... desconfortável e desconcertado... a ser sistematicamente confrontado com a sua argúcia e curiosidade...

igualmente me aconselhou a deter-me no piso superior, num registo fotográfico da amália rodrigues... e a ler o respectivo texto de sua autoria que acompanha o mesmo.
mais tarde juntou-me a mim... e indagou acerca da referida fotografia... não sem antes de se ir embora, me convidar a deixar uma pequena nota no livro de honra... e a folhear um ou outro livro de fotografia presente...

conforme idiotamente referi no livro... gostei da exposição... e mais do personagem...



segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

em viagem > le miroir d'amour | lubomyr melnyk




em viagem > le miroir d'amour | lubomyr melnyk


soube de ti.
durante muito tempo não soube de ti. simplesmente havia perdido o contacto... não havia rasto.
agora, se calhar tive sorte... ou mais azar, depende da perspectiva.
não sei, ainda não sei.
ouvi falar de ti num almoço onde fui convidado por um amigo... um colega de trabalho.
e pela história... pela descrição... imaginei que poderias ser tu... poderiam estar a falar de ti...
pela abordagem... pela profissão, pelo trabalho desenvolvido... 
e estavam.

percebi que havias deixado o teu emprego de sempre... havias arriscado num trabalho teu... imagino, aquele com sempre havias sonhado... e tinhas agora a tua própria empresa.
e que estava a correr bem, bastante bem...
fiquei feliz... genuinamente feliz.

que havias casado e tinhas dois filhos... ainda crianças... e que entretanto te havias separado... mas ainda vivias na mesma cidade que te viu nascer...
eventualmente consegui o teu contacto telefónico... esse sim, já outro, diferente do que eu sempre conhecera...
desde então já por diversas vezes hesitei em telefonar-te... mas hesito sempre e evito...
não sei o que irei encontrar... em que condição poderei ser recebido...
e se um dia ganhar coragem e te contactar... simplesmente digo-te...
não venhas cá... eu irei até aí... e possivelmente beberemos um café naquele pequeno e estranho café junto da central de camionagem... e antes de partir provavelmente ofereço-te uma nova gravação do lubomyr melnyk... já muito distante daquelas dos no-man com que te costumava presentear...
e quem sabe... pode ser que essa viagem um dia se concretize... nem que seja através desta mera miragem.

afinal, soube de ti.







 

profundamente > from safety to where...? | joy division







profundamente > from safety to where...? | joy division


morrer é dormir mais fundo... 
apenas mais profundo. sempre.

morrer é dormir... mais fundo. mais profundo.
profundamente. sempre.

morrer é dormir... mais fundo.
mais profundamente. e para sempre.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

o isolamento > decades | joy division





















o isolamento > decades | joy division


a vida muda e adapta-se.
também aqui e agora sinto isso...
creio que existe em mim um maior isolamento... uma maior distância aos outros. a todos.
não foi propositado. aconteceu.
simplesmente aconteceu.
não existe grande afinidade... se assim lhe posso chamar, com a generalidade das pessoas.
não há lugar a identificação... significado.
se for a ver... talvez tenha sido sempre assim... ou muito assim, durante grande parte do tempo.
sempre tive um entendimento e entrosamento... sempre tive um vida social activa... rodeado de inúmeros... imensos amigos e familiares... e no entanto...
com o passar do tempo... o distanciamento surgiu natural, naturalmente... 
não havia integração... as minhas ideias e olhares eram sempre demasiado diferenciados da generalidade das pessoas...
os filmes... os livros, os autores... sobretudo a música não encaixava nos grupos onde me inseria.
qual dos meus amigos ouvia nessa época os discos dos throbbing gristle e dos cabaret voltaire... que eu avidamente adquiria em fugas rápidas a inglaterra...
quem dedicava serões a rever os filmes do stanley kubrick... a ler a totalidade de livros que encontrava de autores como beckett... cocteau e da marguerite duras... a descobrir autores como pollock... malevich... ou até mesmo sieff e roger dean e giger... ou a prescindir de jantares de aniversário para permanecer no silêncio do quarto a ouvir o closer dos joy division... ou o heathen earth dos throbbing gristle...

havia uma enorme identificação e afinidade... sobretudo com desconhecidos... e não tanto com as pessoas que fundavam os meus círculos de amizade...
e, se isso me construía, solidificava e consolidava... o isolamento igualmente ia crescendo... mesmo sem intencionalidade. 
essa estabilidade e consistência nunca eram vistas como sinal de diferenciação...
há momentos na nossa vida... provavelmente de afirmação... onde existe o recurso (e a necessidade)... a este género de estratagemas... a simples tentativa de ser diferenciado...
isso acontece muito na juventude... ou por necessidade... ou intencionalmente... ou até por ambas.

comigo não foi assim, nunca foi assim.
não houve necessidade, essa necessidade.
provavelmente sempre fui diferente... mesmo sem inicialmente me ter apercebido...
o maior choque e provável maior confronto com essa realidade, deu-se, aquando da minha entrada na faculdade... 
a escola de belas-artes era um mundo diferenciado... onde as pessoas deviam ser todas interessantes e inteligentes... 
mas rapidamente descobri pouca habilidade... pouca afinidade... incultura?... aculturação?...
éramos jovens... estávamos em momentos de descoberta e afirmação... os nossos antecedentes e meios ditavam um universo fecundo e enriquecedor... que se viria a revelar um fiasco.
aqui já a minha construção integrava a todo um núcleo de pensadores e constructores... habilidosos movimentos... notáveis para mim... como o neville brody... o peter saville e o vaughan oliver... a par do beuys... do bacon, do lucian freud... do virilio... do kurt schwitters, do ballard... baudrillard... entre tantos outros que novamente moldavam... cimentavam e faziam avançar a minha carruagem em movimento...
mesmo junto da minha prole de eleição... as diferenças existiam... e por vezes até se acentuavam...

comigo foi assim, sempre foi assim.
aquando do meu avanço para um doutoramento que nunca se viria a concretizar... novamente descobri... essa mesma diferenciação.
o que nesta fase já era muito boa... porque natural e afirmativa.
construía o que em mim tinha significado... e era sempre aceite... sobretudo pelo olhar diferenciado de todos os indiferentes... o que me permitia uma liberdade quase infindável... mesmo na eterna descrença dos meus colegas e orientadores... que viam nas minhas referências e referenciais... um enorme problema.
porque um obstáculo. difícil de ultrapassar. 
inultrapassável, por desconhecimento... por esse eterno medo latente do desconhecido... que nos impossibilita de avançar... e concretizar, seja lá o que isso for.
e os entraves foram imensos e sucederam-se a um ritmo alucinante... o que e novamente mesmo junto da minha prole de eleição... se revelou inoperacional.

agora já não éramos tão jovens... estávamos em momentos diferenciados de descoberta... mesmo que os nossos antecedentes e experiências ditassem e previssem um universo fecundo e enriquecedor... 
já não existiam desculpas para a falta de cultura... conhecimento... iliteracia mesmo.
residia aqui um analfabetismo funcional... uma incapacidade para perceber... interpretar... simplesmente avançar. 
mesmo junto da minha prole de eleição... as diferenças e os obstáculos existiam... e por vezes até se acentuavam...
e agora já não existia a desculpa da idade... dos ideais e de uma juventude que o john peel tanto gostava... pela eterna rebeldia... sintetizada nessa sua adorada melodia que viria a revelar-se no seu epitáfio... oriunda dos the undertones... e que reza simplesmente assim...
our teenage dreams so hard to beat.

afinal não era simples coincidência. havia motivo, havia razão.
closer... de perto... para mais perto. mais próximo. íntimo.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

esplendor > les jolies choses | chaterine gaudet


esplendor > les jolies choses | chaterine gaudet


a não perder.
que mais posso dizer.
como apelidar este bailado...
segundo a súmula da página da rtp, onde o espectáculo foi transmitido... refere entre outros epítetos:

cinco corpos movem-se ao ritmo de um metrónomo. os seus gestos mecânicos são continuamente repetidos, a máquina corre solta e exige a sua obediência absoluta. esta partitura colectiva aparentemente inofensiva, com os seus percursos ordenados, exala um cheiro de verniz barato que logo acaba rachando.

objectivamente é um dos bailados mais violentos e exigentes que já presenciei.
exigente... não do ponto de vista técnico, mas seguramente... fisicamente.
chega-se a um ponto... de não retorno... em que apenas se quer parar... não prosseguir mais, terminar apenas com aquela saga que parece infindável... pela exaustão óbvia... visível e assumida nos e dos bailarinos.
a música não ajuda... é notório e notável... sincopada... frenética e compassada... não ajuda... mecânica e que não para... nunca para.
aqui tudo é consequente porque é mesmo inconsequente... é consequente.
obviamente trará consequências... mazelas físicas e morais... a quem se reconhece e a quem interpreta.
há uma violência visceral latente... maquinal, fria e sincopada... que não permite repousar.
não permite sequer ao espectador descansar... e a todos e tudo cansa...
há uma exaustão latente neste bailado... e os seus aparentes 52 minutos de duração são como uma descida ao inferno... uma avassaladora perturbação e distorção da condição humana. física. mental. existe e reside aqui algo de transformador... de uma violência inabalável.
saio daqui... desta experiência, demasiado fascinado... e cansado.
exausto de tamanha demonstração... vigor... resistência e dimensão... e porque não dizê-lo, rigor.
mesmo os bailarinos não são o estereótipo de bailarinos... acidental ou propositadamente.
possuem corpos não conforme... disformes... não têm uma presença clássica e estereotipada... na forma, nos movimentos... na elegância... na presença.
a música que tudo envolve... constrói... acompanha e perturba, é soberba... omnipresente e sufocante... mecânica e mesmo desumana, porque não permite aos humanos  pausa... o descanso.
existe aqui qualquer coisa de sobre-humano... e de tão fascinado que saio e fico... apenas refiro a ficha técnica deste bailado sublime... e cujos intervenientes merecem todo o destaque. nem que seja pelo aparente desgaste e sofrimento.
ou simplesmente porque é justo... soberbo e esplendoroso.


> coreografia: catherine gaudet

> figurinos: marilène bastien

> intérpretes:
francis ducharme... caroline gravel... leila mailly... james philips... scott mccabe

> música: antoine berthiaume

> realização: xavier curnillon


obviamente a não perder.





terça-feira, 30 de janeiro de 2024

elogio fúnebre ou palidez > fallen trees | lubomyr melnyk


 











elogio fúnebre ou palidez > fallen trees | lubomyr melnyk


sei que o antes não volta a ser, mas acredito na redefinição da harmonia se soubermos ser amor e amizade. um abraço profundo a todos aqueles onde o joão patrício reside e vive.



beira baixa > tiny children | the teardrop explodes



beira baixa > tiny children | the teardrop explodes


por vezes questiono-me...
porque é que as nuvens não caem sobre nós?
não se abatem sobre nós...

quando agora, que reconheço e começo a sentir que o tempo já se esgota... convêm lembrar...
os lugares por onde também vivi e passei...
as pessoas com quem vivi e que irremediavelmente já perdi...
as músicas intermináveis que em solidão igualmente ouvi...

lembro as tardes quentes de fim de verão na aldeia da beira baixa... a casa grande e alegre da minha avó... cheia de recantos e história... e pessoas...
a doçura da família ao redor da mesa em jantares infindáveis... e as estórias que se deixavam contar... e que fazem parte desta história de memórias... 
a azáfama da preparação das refeições... a cozinha imensa e alta...
no piso térreo a zona da despensa... com os diversos compartimentos e os alqueires... o cheiro a cereais... 
e do lado oposto da entrada principal, a eira... o azeite e o tonel...
a escada de acesso ao primeiro piso... íngreme, demasiado íngreme para tudo e todos... e assim sendo, no topo da mesma, uma corda que permitia abrir a porta sem recurso a qualquer deslocação...
e o assomar à varanda do segundo andar... apenas permitido na companhia de adultos... para ver as luzes dos carros que se aguardam na distância... o fim de uma exaustiva viagem desde lisboa...
as luzes lá ao longe simulando a sinuosidade da estrada... 
mas igualmente as braseiras... a grafonola e as espingardas penduradas na parede da escada que nos levava ao sótão...

tantos e todos os discos que descobri... e que também eles são companhia e reconfortante e profunda amizade... 
obviamente passam e transportam... todas essas imagens... carregam todas as mesmas memórias, mesmo quando a memória já atraiçoa e falha...

o pelourinho... o velho castelo e as badaladas compassadas de todas as horas...
lá fora os bancos de granito no alpendre da entrada...
os candeeiros frágeis de vidro... o cheiro a petróleo... as sombras que se produzem e projectam nas paredes velhas... ao anoitecer...

sim, eu sei...
a vida era mais serena... mais calma. 
diria mesmo... parecia haver mais tempo no mesmo tempo...

funerais a mais > hollywood | nick cave




funerais a mais > hollywood | nick cave

lembro-me sempre. 
lembro-me bem.
dos funerais ao domingo... sempre ao domingo...
enterrei o meu pai num domingo à tarde de inverno...
sepultei a minha mãe igualmente num domingo à tarde...
enterrei a minha mãe no mesmo cemitério... igualmente numa tarde de domingo.
próximo da sepultura do meu pai, apenas não no mesmo talhão. entre ambas as campas rasas não distariam mais de 50 a 60 metros... 
e o jazigo perpétuo da minha avó igualmente próximo.

ambas as tardes estavam frias... havia um sol morno de inverno...
havia uma luz fraca de fim de tarde... 
o vento frio cortava... o cemitério pouco, nada abrigava...
ambas as cerimónias realizaram-se na parte mais elevada e desabrigada do cemitério...
ali há poucas árvores... e o vento é constante...
e os funerais demoram... e entristessem...

habituei a vida a este espaço... a estar neste cemitério.
comecei, reconheço... a achar tranquilo, vaguear pelo seu perímetro e permanecer.
habituei a minha vida ao confronto com a morte... 
será que há ali algum conforto?...

e habituei-me a este espaço, a este recinto... calmo e distante... que por vezes tanta tranquilidade me proporcionou.
se inicialmente o achei indesejado... e foi motivo da minha repulsa e revolta... 
serena e depressa me habituei.
e ao contrário da maioria das pessoas que por aqui passam e estão... não ali permaneci em busca de algo... o meu cepticismo dizia-me que já ali nada havia de existente... 
apenas a minha memória e um impulso... um desejo de recordar... reviver todas as situações agora perdidas... me levavam compulsivamente até aquele lugar.
ao inverso de todos os outros... não lavava ou cuidava das sepulturas... antes, deixava o tempo tomar posse... as lápides tornam-se mais dignas com o decorrer do tempo...

e por vezes até no caminho me apoderava de uma ou outra flor... nada de que me orgulhe... mas igualmente nada que me desonre. 
as flores sabia-o eram importantes para a minha mãe... sempre o haviam sido ao longo da sua vida... ao longo do trajecto da morte do meu pai...
as flores sempre lhe foram uma constante... brancas diria ela... 
e seria sempre para respeitar...




pela manhã > chosen time | new order



pela manhã > chosen time | new order


pela manhã cruzo-me invariavelmente sempre com as mesmas pessoas. nos mesmos lugares.
sempre as mesmas pessoas... a fazerem as mesmas acções... e atitudes. sempre nos mesmos locais.

junto à igreja dos anjos... o jovem pai na sua adaptada e gigante bicicleta... que ajuda a transportar todas as três filhas para a escola oficial... e a pequena e silenciosa chinesa... na sua trotinete eléctrica preta... que indiferente sobe veloz a avenida...
junto da cervejaria no intendente... os varredores mal dispostos... que têm de lidar com o caos da imensidão de lixo produzido pela loja de telemóveis...
mais abaixo as raparigas romenas que todos os dias tomam o café sentadas na esplanada enquanto conversam... e tudo entornam.

já na rua pedonal... os rituais mantêm-se...
o homem que abre a porta da pequena e inviolável loja de tabaco... 
as carrinhas das lavandarias que recolhem e abastecem os múltiplos e pequenos hotéis da zona... a mulher que indiferente aguarda a abertura das portas da sociedade geográfica... enquanto consulta o telemóvel...
a reposição e abastecimento de alimentos nos restaurantes que não tardam em abrir... a porta entreaberta da antiga e discreta loja de ferragens...
nasce o dia... os hábitos mantêm-se... 
e assim os dias sucedem-se aparentemente invariáveis...



uma velha loja de velharias > the pool of memories | lubomyr melnyk















uma velha loja de velharias > the pool of memories | lubomyr melnyk


hoje estive numa loja de velharias... antiguidades...
e que tem um pouco de tudo... desde loiças... vidros... cristais... móveis... discos de vinil... dvd... cd desinteressantes... livros velhos... muitos percebe-se logo a sua proveniência...
é a loja do senhor valentim... um homem de meia idade... sereno... e que acredito... não gosta muito de trabalhar...
nunca sabe muito bem onde tem as coisas... nem por vezes, o real valor das mesmas. simplesmente por falta de investigação... atira assim preços para o ar...
mas adiante...

enquanto conversávamos... dei por mim a folhear um monte de livros velho... e de entre todos apenas destaquei... uma edição de bolso espanhola, sobre o museu do louvre... com capa amarela... e outro cujo título memorizei... férias da páscoa... que estava protegido por uma capa de papel tipo kraft velho...
e por falo deste título... que me pareceu demasiado desinteressante... apenas pelo que continha no seu interior...
diversas páginas tinham "separadores" em papel de prata... provavelmente proveniente de antigos doces... mas já nada se conseguia ver.
outras tinham coroas desenhadas e manualmente pintadas a lápis de cor... agora já com pouca cor...
mas igualmente encontrei excertos de antigas cartas e recados, em que se tornou impossível não reparar...
um livro desinteressante... recheado de pedaços de vida bem mais rica e interessante...
havia excertos de cartas escritas à máquina... acerca de tudo... acerca de nada... algumas de escrituras e execuções... doações e herdeiros...
mas, num pedaço de folha manualmente cortada... escrito a vermelho havia um recado que passo a transcrever...


                                                  Querida Manuelinha

Eu e o papá vamos a Lisboa. Devemos voltar pelas nove da noite.
O almoço está destinado - sardinhas de lata e salada. O jantar destina-o tu, queres?
A roupa e sapatos para levares à radiografia estão em cima da cadeira do teu quarto.
Toma conta da casa, sim?
Muitos beijos dos teus pais muito amigos.


simplesmente um estranho pedaço de antigas vidas num livro ignoto... numa velha loja de velharias... a loja do senhor valentim.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

hábitos > so sad today | july skies















hábitos > so sad today | july skies


hoje não voltas a casa. 
hoje novamente não vens para casa. 
está a tornar-se um hábito.
tenho de me habituar...

hoje não regressas a casa.
hoje novamente ficas fora... não vens, não voltas...
está a tornar-se uma rotina...
desejo... imagino não me habituar. 

a sério > awaiting | lubomyr melnyk

 




a sério > awaiting | lubomyr melnyk


desta vez é a sério... é tudo sério. 
demasiado sério...

já lhe conheço os passos... e mesmo de olhos ainda fechados, sei... 
sei que já nasceu o dia... e que a enfermeira já percorre os corredores desta ala do hospital... reconheço-a... reconheço-lhe o andar...
fala pausada mas enérgica com os doentes com que se cruza... e a quem distribui a medicação da manhã...

nos hospitais os dias começam cedo... até mesmo quando por vezes nem chegam a acabar...
há uma azáfama para acudir aos enfermos... e tentar evitar males maiores...
e aperceberem-se das situações mais débeis e delicadas...
quem por vezes sem o saber, inspira mais cuidados...

a energia dos dias contrasta com a letargia das noites... que invariavelmente começam cedo e se tornam longas...
custa o sofrimento... a distância e mesmo o desconhecido... 
esse desconforto que se instala em cada um dos pacientes... mas sobretudo custa a solidão...
de noite mesmo na vigília do escuro... ouve-se mais, ouve-se tudo...
o sofrimento alheio é mais presente...  os gemidos... os lamentos...
na noite está presente a solidão... a dor... mesmo o medo ronda as enfermarias e os quartos...
as rondas dos enfermeiros é uma pequena ajuda... que apenas interrompe o lento passar do tempo...
assusta igualmente o barulho... o ruído das máquinas... e os seus ciclos e ritmos... por vezes estranhamente interrompidos... e assusta mais ainda...

por vezes as noites custam ainda mais...
com os gemidos... as insónias e o sofrimento alheio...
o desconhecido e o desconforto é enorme... por vezes alguém sofre imenso... e tudo custa.


e já agora aproveita... e não venhas cá.
custam as visitas... sobretudo as despedidas.
a sério, não venhas cá.
custam sempre mais as partidas do que as ausências...
não, não venhas cá... 
hei-de ir aí... um dia, prometo... isto há-de melhorar... 

sim, eu sei... ando a dizer isto há demasiado tempo... mas agora é a sério...
não venhas até cá...
um dia destes saio daqui e... desloco-me aí... 
não prometo nada...
está prometido.



quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

escrita > film credits | iskra string quartet









escrita > film credits | iskra string quartet


escrevo. 
como sempre escrevo... e escrevi.
desde sempre que me recordo... escrevo. sempre me vi a escrever.
gosto da escrita... gosto sobretudo de escrever.
simplesmente sento-me e escrevo... sem nada anteriormente estruturado...
sem nada previamente pensado... 
por vezes, bastas vezes escrevo sem nexo... apenas escrevo.

nunca tive pretensão de ser ou ter sido escritor.
simplesmente escrevo.
não escrevo provavelmente com intenção... 
escrevo para ninguém...

nunca pretendi escrever objectivamente para alguém... que não fosse simplesmente nominal.
escrevi bastas vezes com destinatários... sobretudo destinatárias.
ainda há pouco encontrei uma caixa repleta de cartas antigas... muitas delas cujos destinatários desconheço... já não reconheço.
demasiadas eram absurdas... intrigantes... desconexas...
poucas eram medianas ou se reler...
boas, não recordo... não retive alguma, nenhuma.
há textos com bastante idade, que ainda recordo... quase os sei de cor.
mas isso não quer dizer que sejam necessariamente bons ou úteis...

mas, afinal qual é a utilidade de um texto, de uma estória?...
e no entanto, escrevo.... sigo escrevendo...




quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

hoje, hoje falou-se > haust | ólafur arnalds

















hoje, hoje falou-se > haust | ólafur arnalds


hoje deliciei-me.
simplesmente perdi algum tempo com um estranho.
que agora já não é mais um estranho.
agora já o conheço... começo a conhecer.

é o joão, ou jm como costuma assinar nas mensagens trocadas... que vende discos desde há muito tempo. já em tempos, para aí há uns 10 anos lhe adquiri vários cd, numa entrega previamente combinada.
creio, devemos ter amigos em comum... não questionei.
simplesmente combinámos um encontro já por diversas vezes adiado e falhado...
por diversas vezes por whatsapp... e finalmente ao final da manhã do dia de hoje, aconteceu.
andava para resgatar diversas pérolas que ele tinha para venda... 
e agora já se concretizou... já me pertencem.
mas o nosso encontro, de cariz meramente comercial... rapidamente se tornou numa conversa afável ali mesmo naquela rua íngreme... acerca de tudo, acerca de nada... apenas acerca de música.
após a rápida transação e o tempo foi decorrendo e dei por nós... entusiasmados a falar de diversos e múltiplos autores... tais como os coil... o harold budd... o robin guthrie... obviamente os and also the trees... o ólafur arnalds, nils frahm... lubomyr melnyk... os iskra string quarted... a lisa gerrard e sobretudo o esquecimento a que estranhamente o pieter nooten foi devotado.
estranhamente falou-se até do yann tiersen e do peter broderick de quem ambos não somos devotos nem admiradores...
ambos nos entusiasmámos com as diversas edições do max richter e do atrevimento, sacrilégio dirão muitos, e coragem digo eu... na execução do the new four seasons | vivaldi recomposed...
questionámos bandas... músicos... sobretudo editoras e distribuição de discos... e como lhes conseguir aceder... aos mais raros e de edições pequenas e finitas.
o tempo foi passando... e o entusiasmo não esmoreceu.
apenas uma chamada telefónica para confirmação de uma entrega de material, pôs fim à nossa conversa...
eu aconselhei-lhe vivamente os breathless (que ele estranhamente desconhecia)... a começar pelo último registo, o see those colours fly... e ele confidenciou-me para não me esquecer de ouvir as novas versões de tributo aos defuntos coil... na pele dos this immortal coil... e que, sacrilégio, alguns temas eram mesmo melhor do que os originais...
ficou a curiosidade...

porque hoje falou-se sobretudo... e acima de tudo de música.



depois da espera > take the shock away | trisomie 21









depois da espera > take the shock away | trisomie 21


sempre o entendi assim. quanto mais longa a espera... maior será o abraço, o beijo. a ternura.
e espero. e desejo, o desejo.
espero, a espera.
sempre fez parte, do processo... e quanto mais longa a espera... maior a desesperança e o desejo...

existe uma espécie de ânsia calma e segura... que permite aguardar e que se reconforta com o tempo, e com a aproximação.
a simples possibilidade de um enlace. de um regresso.
vislumbro essa possibilidade, ainda que ínfima e distorcida. sobretudo pela minha visão e interesse... e eventual ilusão.
e simplesmente tranquilo, aguardo serenamente... pela impossibilidade... e pelo tempo.
acima de tudo pelo entendimento que creio existe. ou possa vir a existir. 
antes se estabeleça.

existe interesse de ambas as partes, digo eu. curiosidade existe, cumplicidade não sei... 
a cumplicidade constrói-se... vai-se construindo com o tempo.
os interesses comuns, todos e nenhuns.

e enquanto aguardo sereno... não desespero... simplesmente porque sei que esse dia virá... e até lá apenas a esperança me servirá... e confortará.


nota:
o que se escreve quando se escreve.
escreve-se acerca de tudo... escreve-se acerca de nada.
provavelmente diz-se pouco, tentando transmitir muito. tudo.
que normalmente redunda em nada.