como é que se explica o inexplicável? > fernando e joão
lembro-me do encontro.
do nosso encontro. casual, recordo. ali na esquina do campo de santa clara, junto ao mercado num dia de feira da ladra.
ficámos ali os três perdidos... parados, no entusiasmo da dimensão das nossas perspectivas musicais. o fernando magalhães mais reservado, mais culto... muito, mas mesmo muito seguidor do mestre peter hammill e quejandos... o joão veríssimo mais entusiasta e expressivo... mais anos 80... sobretudo a facção mais negra mas igualmente marginal. coil... death in june... sol Invictus... estão a ver, não estão...
e eu estou aqui porquê, perguntarão alguns...
para celebrar... melhor, para perpetuar esse mesmo momento. ao princípio de uma tarde de uma terça-feira... e que sei-o agora... infelizmente irrepetível...
o fernando sempre mais contido... calmo e seguro... conciso e ciente dos seus mestres... e descendentes... com um discurso seguro e coeso, intelectualmente superior, com uma imensa devoção ao trabalho de peter hammill... e no que isso redundou. brian eno... robert wyatt... robert fripp faziam igualmente parte dessa sua paleta de músicos de eleição... mas o ídolo era certamente peter hammill.
conheci-o através do meu irmão nuno... e sobretudo do seu irmão, o nuno.
curiosamente o meu irmão igualmente nuno, era da mesma idade do fernando e colega de turma... exactamente o mesmo se passava comigo e com o nuno magalhães... ambos da mesma idade e igualmente colegas de turma no liceu que todos frequentávamos... o liceu camões.
o fernando e o nuno magalhães moravam perto, muito perto do liceu camões, na rua andaluz... e era aí que por vezes passávamos parte das nossas tardes... entretidos com as divagações e divulgações do fernando... e na descoberta dos sons que invariável e entusiasticamente nos mostrava... e me marcaram e construiram...
alicerçado sobretudo nos sons dos anos 70, os van der graff generator e os king crimson predominavam nessas mesmas audições... impossíveis de não surgir sempre a qualquer momento como exemplo... o bom, o melhor exemplo a seguir...
verdade seja dita, nunca o perdi de vista... e os nossos gostos musicais sempre coincidiram... muito provavelmente porque a sua herança já residia igualmente em mim...
das muitas vezes que com ele me cruzei sobretudo em lojas de discos de segunda mão... carregava sempre nas mãos pequenos amontoados de discos... que mais pareciam pequenos tesouros que singelamente amparava... e recordo o sorriso no seu rosto diametralmente proporcional à tranquilidade do seu discurso...
falava agora entusiasmado das descobertas dos tuxedomoon... dos cabaret voltaire... test dept... do universo industrial e tantos e todos os outros que a essa família pertenciam... ironizando sobretudo a falta de conhecimento e reconhecimento que os donos dessas lojas tinham da música contemporânea... tal como nos dias de hoje ainda se assiste...
foi não só responsável pela minha formação enquanto melómano... quer através das tertúlias no seu quarto e do seu religiosamente intocável gira-discos... mas igualmente enquanto responsável por determinadas importações que sugeria aos amigos da contraverso... para não falar das suas sábias palestras em diversos jornais onde invariavelmente comentava e falava do estado actual da música pop e não só... fosse no blitz... o independente... ou até na rádio universidade tejo (rut)... e no suplemento sons do público...
o joão mais jovem e entusiasta... logo muito entusiasmado com as descobertas mais recentes... mas não apenas... que cimentam e constroem as nossas discografias... marginal... e um entusiasta inflamado dos death in june... coil... joy of life e derivados...
o joão veríssimo conheci-o acidentalmente no universo das lojas de discos, poucas diga-se... onde com freqüência nos cruzávamos... vindo mais tarde a aproximar-nos o facto de se ter tornado namorado de uma ex-aluna minha... a sara, uma italiana, aluna erasmus... que por cá ficou após o final do ano lectivo... perdida e encantada com lisboa...
construiram um verdadeiro tesouro, quer a partir de cá, mas igualmente em itália onde frequentemente se deslocavam... e que os levou a editar inúmeros discos, fosse através do selo extremocidente... ou simplesmente nas suas soberbas e luxuosas edições piratas limitadas e de imensa qualidade gráfica...
ficou por desvendar esse mistério... onde se efectuavam esses mesmos trabalhos mas igualmente realizar a passagem de testemunho... dessa estranha edição oriental (coreana?... chinesa?... tailandesa?... filipina?...) de um álbum do robin guthrie... esse mesmo que nunca me chegaste a presentear...
e esse momento vem agora ao de cima... atraiçoado pela minha memória... que os conjuga e congrega agora aqui. aos dois.
simplesmente pela finitude e perspectiva do tempo... do que se faz com ele... e como usa...
recordo o entusiasmo que iluminava e inflamava os respectivos discursos... e o quanto defendiam as suas descobertas e apostas.
e como isso agora é uma mera memória que reside em mim... e que um qualquer dia igualmente acabará por findar...
e essa conversa e discussão continuará certamente...
porque se vocês foram andando... eu certamente irei lá ter, e então puderemos concluir tudo aquilo que demasiado cedo ficou por dizer...
e que ambos me perdoem mas agora fico-me pelo imperfect list dos big hard excelent fish...
sei que ambos não discordarão...
e que concordarão na sua excelência...