segunda-feira, 8 de abril de 2024

os anos noventa > awaiting | lubomyr melnyk









os anos noventa > awaiting | lubomyr melnyk


os anos noventa.
os anos noventa foram importantes para mim. 
foi uma década marcante para mim. decisiva.
pelas melhores e pelas piores razões. 

pelas piores razões... porque o meu pai morreu logo no início da década, quase no início do ano e da década. 
e isso obviamente determinou e condicionou toda a minha existência a partir desse momento... e marcou e moldou a minha vida. a que a partir daí, desse momento passei a viver.

mais tarde, e pelas melhores razões, o nascimento dos meus filhos... que foi determinante para tudo o que se seguiu. até hoje, até sempre direi eu...
percebi nesse momento, a insignificância do eu, omnipresente até então... 
e a verdadeira fragilidade e importância de terceiros, verdadeiramente o significado e o foco da minha vida a partir de então... 

se na morte do meu pai... muito de mim, sem o adivinhar, morreu nesse preciso momento... reavivando-se aquando do nascimento deles, e fazendo dessas minhas memórias a verdadeira comunhão... de uma vida que tinha de acontecer desse modo.

tenho ainda agora em mim, uma mágoa genuína que não se tenham conhecido... ainda que o meu pai esteja presente na vida dos meus filhos, através das estórias que lhes vou contando e vivemos assim essa estranha harmonia, de uma ausente presença que por vezes faz parte de nosso quotidiano.
a esse lapso, apenas a mim posso imputar culpas... sem desculpa alguma... dado sentir um estranho carinho salutar em todas essas relações que por acidente e incúria minha, não vieram a coexistir, sobretudo numa época em que isso teria obviamente sido possível.
não fomos todos acidentalmente contemporâneos por pouco... mas existimos assim num universo de memórias e histórias contadas e objectos que também eles resistam, significam e contam os nossos antepassados, e demonstram o tempo que entretanto se consumiu.
os objectos são grandes catalisadores e agregadores de estórias... e ajudam, cimentam e transmitem a novas gerações... as nossas vivências e memórias... 

essa talvez a verdadeira importância dos anos noventa do passado século XX...
para mim indubitavelmente. e para a minha vida... até aí... a partir daí...
nos idos anos noventa.


 

quarta-feira, 3 de abril de 2024

terça-feira > waiting | ultravox




terça-feira > waiting | ultravox 


soube-o agora.
soube-o à pouco, numa mensagem partilhada pelo john foxx no instagram. 
morreu o chris cross
foi baixista dos ultravox... transversal a muitas e quase todas as gerações e mutações. pelo menos as mais interessantes...
desaparece assim mais uma fantasmagórica companhia da minha juventude.
houve tempos em que os ultravox liderados pelo carismático john foxx, foram a banda a que dediquei mais atenção, o systems of romance foi fulcral e basilar na consolidação da minha estrutura do meu edificado sonoro. também ali residem os alicerces, a par com o robert fripp... o peter hammill... o brian eno... john foxx, gary numan e quejandos...

desmorona-se assim uma vez mais esse mesmo edificado... cujo estrutura se foi construindo e alicerçado... e agora o tempo corrói... e destrói algumas das principais figuras que o compunham.

todos saem e partem desta fracção terrena... 
e abanam as nossas convicções e pensamento.
qualquer dia resta ninguém...
fim da linha.


quarta-feira, 27 de março de 2024

o local do crime > velvet | the big pink




o local do crime > velvet | the big pink



foi propositado. sim, foi de propósito. 
os dois anteriores textos tem em comum uma imagem do jeanloup sieff a acompanhá-los.
foi propositado, foi intencional.

foi propositado. sim, foi de propósito. foi intencional.

também nunca antes havia reparado.
mas quando estava num processo de escolha e selecção de imagens, aconteceu.
procurava entre fotografias do jeanloup sieff... por registos para ilustrar um texto e mesmo um powerpoint... quando me deparei com esta similitude.
havia registos de sessões fotográficas nos mesmos lugares, neste caso concreto, no mesmo quarto. que continham imensas semelhanças.
não sei se os registos foram feitos na mesma sessão... se em momentos distintos.
não é no entanto vulgar, um fotógrafo recorrer ao mesmo lugar, sobretudo à mesma cena e encenação, até luz... para fotografias distintas. sobretudo com modelos diferentes.
o espaço está invulgarmente idêntico... nada foi alterado, não existiu alguma preocupação com toda a envolvente, nenhuma. simplesmente está tudo no seu lugar. 
no mesmo lugar, em ambos os registos. 
as peças estão nos mesmos lugares, cirurgicamente nos mesmos lugares... intocáveis e intocadas... apenas a luz e o sol divergem... e alguns papéis que estavam pousados na escrivaninha...

uma das fotografias é inclusivamente a capa de um dos seus diversos livros... faites comme si je n'étais pas là... que eu tenho pousado numa pequena mesa na sala. 

e quem diz que o criminoso volta sempre ao local do crime que se desengane...
é que regressa mesmo...



terça-feira, 26 de março de 2024

agora > roman holiday | fontaines dc






agora > romain holiday | fontaines dc


agora já não tenho dúvida alguma. nenhuma.
os fontaines d.c. são os bauhaus do século XXI.
se alguma dúvida restasse, bastaria ouvir hurricane laughter para as dúvidas se dissiparem. e a certeza se instalar.
em tantas melodias ecoam os fantasmas de in a flat field e mask... em ambientes e guitarras demasiado óbvias para não ser possível a indiferença ao som dos bauhaus
os fontaines d.c. não são punks... embora por vezes o pretendam, ensaiem e assumam.
o punk já não existe... já não é uma possibilidade...é antes uma improbabilidade
atitudes desviantes apenas são singulares e autónomas hoje em dia... já não existe pretenso movimento... sobretudo porque já não existe uma unidade e um descontentamento generalizado que o justifique. a juventude actual está mais empenhada em arranjar um emprego e em tentar ser bem remunerado... para se poder reformar o mais breve possível.

ou seja... os fontaines d.c. neste aspecto estão sozinhos e isolados... se é que o estão, ou são.
praticam uma música povoada de fantasmas da new wave... onde indiscriminadamente circulam os espectros dos the cure... os bauhaus... siouxsie & the banshees... e tantos outros descontentes e rebeldes, inconformados com a sociedade que lhes foi contemporânea nesses idos anos de 70 e 80 do século passado...
agora... agora é outra história... porque são outros tempos... 

ou seja... os fontaines d.c. inicialmente praticavam uma música suja e crua... sobretudo mal produzida, se calhar até intencionalmente mal produzida... para se assemelharem a bandas mais punk... mas a essência creio, era mesmo a new wave... e o pós-punk... e talvez nem eles ainda o soubessem.
a rebeldia avulsa é isso mesma... avulsa. e aí fica.
não é um movimento... que toca e contagia... e que evolui e avança...

ou como diziam os the sisterhood...
we forgive as we forget...


segunda-feira, 25 de março de 2024

vida normal > indexed to impulse | future conditional





vida normal > indexed to impulse | future conditional


sinceramente não ganho nada com esta conversa, só nervos... disse prontamente a rapariga, provavelmente numa derradeira tentativa de pôr fim à mesma.

a situação era delicada... a discussão havia escalado... e estava tudo descontrolado. sentia-se um enorme desconforto no ar.

os tubarões haviam infestado todo o espaço. era hora de partir... e tudo deixar para trás, num impulso de sobrevivência...

a noite programada... havia-se extinguido... as propostas e perspectivas eram agora nulas, restava regressar a casa e tentar adormecer sózinho... como tantas e quase todas as noites.

havia sido uma noite frustrante... não era suposto este grau de tensão... antes, era suposto uma noite descontraída e de diversão... e agora ali estava eu, sózinho e sem perspectiva de uma noite melhor.

sinceramente não ganho nada esta noite... apenas me enervo mais...

vou fazer uma vida normal.


segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

factum | eduardo gageiro























factum | eduardo gageiro 


foi no sábado pela tarde.
fui ver a exposição do eduardo gageiro na cordoaria nacional.
entendo muito bem a generalidade dos seus registos fotográficos... também eu vivi parte daquela realidade.
e sempre previlegiei as fotografias a preto e branco... pelo que, e após ter visto uma entrevista sua na televisão... me dispus a ir ver essa sua mostra fotográfica.
sinceramente não o esperava encontrar presente... e muito menos quando fui acidentalmente apanhado a tirar registos com o meu telemóvel...

nada de mais embaraçoso me poderia acontecer...
estava eu a tirar uma fotografia... a uma fotografia sua... e eis que oiço a sua voz ao longe... nada disso foi encenado, dizem que as minhas fotografias eram todas encenadas.
e eu... muito embaraçado... mesmo na distância que ainda nos separava, prontamente lhe pedi desculpa...
era inadmissível... foi um erro crasso... comprometedor. eu, ali a registar com o meu telemóvel... as suas magníficas fotografias...
heresia suprema...
uma exposição onde estavam igualmente patentes as suas máquinas fotográficas... fossem hasselblad... canon... nikon... ou mesmo ampliadores leitz... vergonha imensa.
eu ali, estático... a tentar o meu melhor... com um telemóvel... como realmente o entendo...
mas no meio de tanto desconforto e atrapalhação... não... não era o facto dos meus registos hereges que lhe haviam despertado a curiosidade...
antes pelo contrário... era a necessidade de uma simples explicação... de que nada havia ali de simulado... tudo tinha sido feito e registado directamente.
e eu ali... infantilmente ainda a tentar justificar-me... de telemóvel desconfortável nas minhas mãos...
mas eduardo gageiro prontamente disse... esteja descansado, tire as fotografias que quiser tirar...
isso ainda veio adensar mais o meu desconforto... dado eu ter igualmente sido um utilizador da fotografia analógica em todas as suas vertentes... desde o processo do registo fotográfico até à revelação e execução das mesmas...

achei curioso a minha natural tentativa de me esquivar do autor,  dada a pretensão dos ditos registos hereges... ao invés da maioria dos presentes... que prontamente se acercavam dele... para uma pequena conversa ou simples registos fotográficos que incluíam o mesmo...
e eu, ali... desconfortável e desconcertado... a ser sistematicamente confrontado com a sua argúcia e curiosidade...

igualmente me aconselhou a deter-me no piso superior, num registo fotográfico da amália rodrigues... e a ler o respectivo texto de sua autoria que acompanha o mesmo.
mais tarde juntou-me a mim... e indagou acerca da referida fotografia... não sem antes de se ir embora, me convidar a deixar uma pequena nota no livro de honra... e a folhear um ou outro livro de fotografia presente...

conforme idiotamente referi no livro... gostei da exposição... e mais do personagem...



segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

em viagem > le miroir d'amour | lubomyr melnyk




em viagem > le miroir d'amour | lubomyr melnyk


soube de ti.
durante muito tempo não soube de ti. simplesmente havia perdido o contacto... não havia rasto.
agora, se calhar tive sorte... ou mais azar, depende da perspectiva.
não sei, ainda não sei.
ouvi falar de ti num almoço onde fui convidado por um amigo... um colega de trabalho.
e pela história... pela descrição... imaginei que poderias ser tu... poderiam estar a falar de ti...
pela abordagem... pela profissão, pelo trabalho desenvolvido... 
e estavam.

percebi que havias deixado o teu emprego de sempre... havias arriscado num trabalho teu... imagino, aquele com sempre havias sonhado... e tinhas agora a tua própria empresa.
e que estava a correr bem, bastante bem...
fiquei feliz... genuinamente feliz.

que havias casado e tinhas dois filhos... ainda crianças... e que entretanto te havias separado... mas ainda vivias na mesma cidade que te viu nascer...
eventualmente consegui o teu contacto telefónico... esse sim, já outro, diferente do que eu sempre conhecera...
desde então já por diversas vezes hesitei em telefonar-te... mas hesito sempre e evito...
não sei o que irei encontrar... em que condição poderei ser recebido...
e se um dia ganhar coragem e te contactar... simplesmente digo-te...
não venhas cá... eu irei até aí... e possivelmente beberemos um café naquele pequeno e estranho café junto da central de camionagem... e antes de partir provavelmente ofereço-te uma nova gravação do lubomyr melnyk... já muito distante daquelas dos no-man com que te costumava presentear...
e quem sabe... pode ser que essa viagem um dia se concretize... nem que seja através desta mera miragem.

afinal, soube de ti.