quarta-feira, 30 de março de 2016





















velhos diapositivos de uma cena nocturna > are you ready? | crispy ambulance


aspectos de uma cidade contaminada pela luz amarela dos candeeiros, com dois carros a passar. um edifício sujo de escritórios e um cão vadio que passa, pára e urina.
um pouco mais à frente, o mercado de peixe, depois de se terem partido os vidros das montras das lojas sujas e distante, o som proveniente de um bar vulgar. um néon piscando sobre a porta azul, tentando ser convidativo. Uma rapariga que assoma e surge, menos atraente.
ao longe a alegria de crianças brincando numa barraca de uma feira ambulante, o barulho dos carros de choque e de um altifalante rouco.
três jovens do interior de um carro veloz e ruidoso, provavelmente em fuga. na distância da noite uma sirene crepitante de um carro da polícia que se apresta a pôr cobro a mais um assalto.
no largo central, no chão de pedra molhada... o rascunho amarrotado de uma ignota carta de amor. apenas perceptível a data, setembro de 1972.
no largo central, a igreja iluminada... no seu interior, velhas ajoelhadas na inconfortável madeira... rezando viúvas na pequena capela. contam sobretudo mágoas, maleitas próprias de quem há muito experimenta a solidão. No altar brilhante, flores murchas espalhadas. como rosas.
passa estridente uma ambulância que ziguezagueia entre os carros no trânsito, tentando percorrer as intermináveis ruas da cidade. no seu interior um enfermeiro aflito, luta. e um paciente idoso que tranquilo, decide partir, indiferente à azáfama citadina que o rodeia.
já não existe música aqui, já não existe melodia. nem mesmo som algum. nenhum. confesso.
podia ficar aqui toda a noite.
podia ficar aqui toda uma noite.
a ouvir essa composição hipnotizante que é… are you ready?crispy ambulance1982.
podia ficar assim toda a noite…

terça-feira, 29 de março de 2016



 depois falamos > clair de lune | cécile bruynoghe

depois falamos... disse ela, mesmo antes de desligar o telefone...
e realmente já há tanto tempo que não falávamos...
não é que tenha acontecido muita coisa... demasiadas, entretanto... apenas...
acostumei-me a ouvi-la... em conversas calmas e longas... onde me costumava relatar as suas inquietações... e igualmente com frequência me pedia a minha opinião para determinados assuntos... sem os quais não se conseguia decidir...
simpatizava com ela... sempre simpatizei, mas fazia-me alguma confusão... tanta dúvida... tamanha indecisão...
não que os assuntos fossem pessoais... que também por vezes o eram... íntimos mesmo... apenas com aquela idade... e sobretudo aquela experiência... 
sempre estranhei aquela imaturidade... aquele alheamento da realidade...
uma pessoa assim... com aquela experiência de vida... era estranho...
havia deixado de fumar... segundo dizia, já há algum tempo que não bebia...
mas o olhar era sempre feliz... invariavelmente sorridente...
ou seria ideia apenas minha...
seria melancolia... mera solidão na distância e isolamento a que se devotara...
nunca o descobri... sempre a imaginei rodeada de amigos e família... 
não assim, uma pessoa soturna e introspectiva... 
bem, se fosse a ver... ela sempre mostrou um gosto especial... por poesia e literatura triste... melancólica mesmo...
o que não fazia dela uma pessoa... supostamente... assim.
engano meu...
o telefonema frio e curto que uns dias mais tarde recebi... isso mesmo demonstravam...
havia chegado ao fim... assim só. de um momento para o outro... sem ninguém antever...
e o meu telefonema... que jamais chegaria... 
fico aqui assim só... em silêncio... a recordar... 
levanto-me e ainda incrédulo, abro a gaveta do leitor de compact disc...
cuidadosamente deposito o disco que logo principia... o som do piano sereno...
clair de lune... cécile bruynoghe... que imagino também ela deveria gostar...
















lisboa (em sonhos) > every colour you are | rain tree crow

já todos tinham adormecido. sentia-o nas suas respirações.
sobretudo nas crianças. emanava uma calma, uma tranquilidade que não se verifica durante o dia. essa enorme carga de energia própria da idade estava agora como que derrotada, adormecida. era agora uma respiração pausada, serena.
fiquei acordado mais um bocado.
folheei um jornal, ouvi um disco. e só depois me fui deitar.
estava frio debaixo dos lençóis.
permaneci assim encolhido, de olhos abertos no escuro. através das frestas do estore observei as sombras a moverem-se na parede do quarto. ouvi os últimos carros a passarem na rua e depois começou a chover novamente.
começou muito ligeiramente, muito suavemente.
mas depois o som da chuva tudo invadiu. tornou-se mais forte e pesado.
e eu afundei-me mais no conforto escuro da minha almofada.
e só então adormeci.

e sonhei...
sonhei que me sonhava, num corredor imaculadamente branco, estreito e comprido. sobretudo branco, muito branco. e muito comprido.
tentei avistar ao longe. não se vislumbrava ninguém. apenas a palidez daquele espaço preenchido com uma luz difusa que impedia até de distinguir.
lá longe, uma porta branca. próximo da loucura neste sonho, existe uma porta branca que se abre e que… não se abre. não nego que, enfim é uma porta vulgar que se aproxima, só que na realidade está mais perto… perto, cada vez mais perto.
próximo da loucura, muito próximo da loucura há uma porta branca que se abre… e que não se abre. uma porta que parece próxima, uma porta branca que se aproxima, próxima, muito perto, cada vez mais perto… tão perto, à distância de um passo… um pequeno passo. tão perto que penso que posso tocá-la e sentir a transparência de todo um branco aparente, e ter a sua percepção na dimensão do real.
então a porta abre-se e… não se abre, e no entanto surge um vulto branco que escreve um número, escreve um número numa folha de papel branca, aproxima-se… próximo… cada vez mais próximo, aponta na minha direcção e grita… O PRÓXIMO!...

e só então dormi.

dormi no meio dessa mesma imensidão alva, indistinta de tão grande. povoada por uma melodia estranha e contínua que tudo acompanhava e invadia. E essa melodia que me trazia os sonhos gastos e corroídos à memória, sempre seria… every colour you arerain tree crow

segunda-feira, 28 de março de 2016

















num qualquer escritório de uma cidade qualquer > wind in her hair | motorama

agrada-me.
agrada-me o barulho das mãos da minha colega ao passar pelas suas pernas.
agrada-me esse barulho que provoca o toque dos dedos com a textura dos seus collants.
podia ficar aqui toda a noite a falar-vos do meu escritório. das pessoas que trabalham no meu escritório. e até de algumas que já não trabalham. trabalharam.
hoje em dia e com a falta consecutiva de trabalho, apenas existem sete funcionários a tempo inteiro. houve anos em que fomos mais de trinta. tal era o volume de trabalho existente. mas, agora, agora não. somos apenas sete resistentes. quatro homens e três mulheres. que invariavelmente são mais eficazes do que nós, os homens. chegam sempre a horas, nunca falham ou condicionam a entrega de um trabalho, são mais responsáveis, sedutoras e na hora do almoço entrevê-se pelas conversas, que mais cruéis até.
os homens, os homens não. são mais infantis, ingénuos, diria mesmo. são sobretudo mais divertidos, porque mais irresponsáveis... falam invariavelmente de futebol, carros e mulheres. e estão sempre prontos para uma qualquer aventura. mesmo... sobretudo os casados.

entram no bar mais próximo do escritório pelo fim da tarde, e só de lá saem para ir para casa jantar. Invariavelmente bebem duas ou três cervejas, comentam a situação política, os jogos de futebol que se avizinham e os atributos físicos das colegas de trabalho. é nesse preciso momento que um deles se levanta com o intuito de ir à casa de banho, não sem que antes meta a mão no bolso, retire uma moeda que insere na ranhura da jukebox e imediatamente surjam os primeiros acordes de uma melodia familiar e doce… wind in her hairmotorama… 2010.












barreiro (ou qualquer outro subúrbio industrial) > the choicest view | modern english

claustrofóbico.
claustrofóbico é o mínimo que posso dizer.
assim só. as descargas contínuas de detritos junto do rio, no largo principal naquela tarde de fim de inverno. um grupo de operários em torno de um carro vermelho estacionado. as pequenas garrafas de cerveja que inúmeras vezes se levam à boca, os telemóveis que incessantemente tocam, nas curtas conversas ruidosas que se trocam, o cheiro pestilento de um rio demasiado cansado.
um carro amolgado que junto da marginal circula veloz, ao longe uma criança passeando lenta na sua bicicleta, distante o som de uma sirene. em contraluz gaivotas silenciosas esvoaçando em busca de alimento nos despojos lamacentos do rio que passa. começa a chover, o lodo dissolvendo-se.
da janela entreaberta daquela velha casa construída sobre o rio, tudo o que se avista são ruínas. são tudo fábricas abandonadas, ruínas industriais consumidas num tempo que já não se compadece com esta tecnologia, e que retorna nunca.
é passado, já tudo aqui pertence a um passado obsoleto, onde através destas paredes grossas, velhas e gastas, se sente a energia que um dia por aqui passou, nos altos-fornos arrefecidos, para sempre adormecidos, nos metais retorcidos e oxidados, nas coberturas que não aguentaram sucumbindo vergadas ao tempo que também visivelmente por aqui passou.
lembrei um velho barco que também daqui se avista, junto à foz, num silêncio imenso que remete para uma melodia estranha e desencantada e à muito esquecida… the choicest view… modern english… 


lisboa (para os lados de monsanto) > the back of love | echo & the bunnymen

escuta. escuta o silêncio.
silêncio, silêncios. 
pássaros que voam rápido contra o azul do céu... ao longe o rio que corre vagaroso... o fumo de um último barco que parte... neste domingo de início de primavera...
deitados na relva húmida, dois corpos falam devagar.

ela veste um vestido fino de flores grená e ri... as pernas cruzadas preguiçosamente baloiçando...
ele parece um simples e simpático militar de licença, agora mais interessado no pequeno transístor portátil que aparenta transmitir ao intervalo... os resultados do futebol. ..
permanecem assim imóveis, mãos dadas, o olhar fixo na foz do rio e na luz que difusa tende a dissipar-se...
falam do passado e do futuro que prevêem comum, mesmo que essa incógnita ainda os assuste... ele decide pôr o braço em redor da cintura dela e exulta com um hipotético golo anunciado, quando surge uma pausa musical que adivinho ser… the back of loveecho and the bunnymen… 1982.















manchester (hulme) > lazy | low

uma pequena igreja de bairro, num dia ensolarado de fim de verão...
o casamento estático nas escadas, os convidados todos perfilados, o olhar fixo, preso na câmara fotográfica. os noivos sorridentes e corados, um ramo de flores que se agita na aragem que corre. um velho gordo todo suado, cujo nó da gravata incomoda e se desfaz, uma criança de branco que chora. na fila detrás alguém se lamenta do calor… e do tamanho dos sapatos novos. 
o fotógrafo que vai dando indicações, lento, enquanto lá longe, na sombra de árvores altas, um velho ford cortina de 1963 aguarda os noivos, todo betumado e pintado à mão de preto, à última da hora...

no seu interior uma enorme colcha cor de pérola tenta encobrir os estofos demasiado rotos e uma árvore ambientador comprada à última da hora, tentando fazer esquecer o cheiro da tinta nova, e um “motorista” de ocasião cujo fato alugado assenta mal, que para passar o tempo de espera… folheia o jornal do fim-de-semana passado, e ouve no velho rádio de válvulas… lazylow… 1994.

para norte > goodnight | breathless

eu vou aí.
não escrevas o postal que compraste para mim.
eu vou aí, na realidade estou já a caminho.
e no entanto preciso deste tempo para decidir como devo aparecer, se devo aparecer... parece estranho, parece tudo demasiado estranho como em todas as histórias de reencontros.
mudei de casa, mudei de bairro. mudei de emprego, na realidade fui despedido. até cortei o cabelo.
ainda não me viste de cabelo curto, assim tão curto. se calhar não quero que me venhas ver, ou até talvez queira. mas não sei se podes ou deves.
abandonei aquele subúrbio decrépito onde me conheceste, saí da periferia, vivo agora num velho bairro consolidado da cidade, povoado de imensas e estreitas vielas e de uma população idosa, simpática e sempre disponível… e confesso, talvez demasiado curiosa.
disseram-me que havias casado, voltado para o interior, que eras agora professora e que tinhas duas filhas...  
confesso-te, carrego ainda no braço aquela tatuagem que cumplicemente trocámos no final daquela noite inesquecível e louca. por mais de uma vez pensei em retirá-la, mas resiste até hoje...
escreve-me outro postal como o último. o único desde que partiste.
talvez seja a melhor solução, talvez seja mesmo a única solução para continuar a enganar esta maldita e confusa esperança.

quando chegar talvez te telefone de um qualquer café perto da gare, nesta viagem imprópria e inglória, onde levo comigo um som que me vicia e entristece… goodnightbreathless… 1999.



ao tempo > maximum acceleration | ultravox

há quanto tempo... 
à tanto tempo... 
foi no tempo... noutro tempo...
foi no tempo de outro tempo...
quando ainda era permitido o termo devagar.. até possível divagar... nesse tempo.

quando a vida tinha outro significado... um outro significado...
nesse tempo... havia mais tempo... tudo parecia fluir... mais devagar...
e tudo restava... e sobrava.
agora... agora, não.
o tempo parece elástico... e diminuto...
ao tempo tudo se sobrepõe... e nada parece restar...
acima de tudo parece sempre faltar tempo... que se esgota...
antigamente, antigamente não...
ainda o lembro. esse tempo.
em que os dias surgiam e pareciam infindáveis... 
no tempo em que nos sobrava tempo... porque tudo parecia interminável...
e assim na distância desse tempo... tudo revejo... e desejo.
ainda associo a esse tempo... alguns momentos... de tardes calmas e noites irrequietas...
e a tranquilidade dos discos que em loop se ouviam... e eram tantos e no entanto... tão poucos...
entre os eleitos... o secondhand daylight dos magazine... o faith dos cure... obviamente o closer dos joy division... o gentleman take polaroids dos japan... alguns discos do peter hammill... o heaven up here dos echo and the bunnymen... o wilder dos teardrop explodes... até mesmo o nah=poo the art of bluff dos wah!... mas fundamentalmente o systems of romance dos ultravox...
foi com esse disco que verdadeiramente aprendi a apreciar música. a música tal como a reconheço... 
foi com melodias como slow motion... I can't stay long... some of them... quiet man... dislocation... maximum acceleration... e just for a moment... que também cresci... 
e tardes... noites solitárias de sucessivas audições solitárias... que se traduziram num gosto... de que tanto gosto...
e através de alguns... aprendi a gostar de outros... tantos e todos os outros... referenciais...
o john foxx "apresentou-me" o gary numan... que por sua vez também descendia dos kraftwerk... e assim uma imensa e enorme rede se foi construindo e adensando...
mas isso foi num outro tempo...
num tempo em que ainda havia lugar ao tempo.
nesse mesmo tempo. em que sempre nos restava tempo...




quarta-feira, 23 de março de 2016















in your room | depeche mode


um dia ainda tens de me mostrar a tua casa, o teu quarto... disse-lhe enquanto a abraçava no frio da noite...
surpreendeu-me tal afirmação...
no fundo não tinha casa... não tinha quarto...
não tinha privacidade... sobretudo faltava-me intimidade... 
onde residia... uma espécie de comunidade, onde todos tudo partilhavam... mesmo até aspectos íntimos... e onde o plural se sobrepunha ao singular...
aqui não existia o eu... estava dissimulado no nós... que era quem ditava os princípios... todos os princípios...
como poderia eu ter um quarto... uma casa... nestas condições... sem condições...
como lhe haveria de dizer... dessa impossibilidade...
a improbabilidade de êxito era diminuta... se não mesmo nula...
como inverter esta situação... e manter o entusiasmo...
fez-me lembrar a juventude inebriante... com sucessivos acontecimentos... fascinantes...
as descobertas... as experiências... as paixões... talvez mesmo diárias...
e como dizem os cabaret voltaire em premonition... are you ready to die?...

fiquemo-nos pela irrequieta memória de outros tempos... em que o quarto representava o meu mundo... e de onde tudo partia e desejava... nesses sonhos importantes... também eles regados com os sons entre outros... dos depeche mode... in your room...




sexta-feira, 18 de março de 2016













um segredo > the night | the danse society

em segredo... assim só, sussurrado ao meu ouvido...
como um sopro ténue e frágil... que me surpreendeu...
não que a minha intimidade e cumplicidade com a pessoa em questão não pudesse pressupor uma situação assim... 
afinal já antes havíamos partilhado intimidades... segredos, como ela dizia com aquele bonito sorriso sempre presente no seu rosto...
e bonito sempre foi uma palavra de que nunca gostei...creio, apenas a aplicava como reveladoras dessas ocasiões... 
tinha efectivamente um bonito sorriso, um belo sorriso... alegre... contagiante mesmo...
e nós, estranhamente deixávamo-nos cativar e levar...
era assim que por vezes ela conseguia os seus intentos... seduzia-nos com esse seu charme...
nesta ocasião, não. era algo mais complexo... tanto assim que a sentia insegura à medida que me segredava o acontecimento...

a vida também é assim... para ser vivida... confidenciou-me ela...
não podemos ficar eternamente à espera, que passe... porque ela passa... e passa muito depressa mesmo... e esta revelação assim mesmo, crua... espantou-me...
principalmente vindo dela... dado que embora gostasse dela, sempre a achei superficial e fútil... muito mais interessada no mundano e imediato... e menos introspectiva e pensadora... 
mas que surpresa interessante... ver alguém que nos é próximo, surpreender-nos assim, pela positiva... 
e esta confidência tem tanto mais valor... porque me parece genuína... mesmo nos silêncios e discrição que se instalaram durante o monólogo... 
nesta privacidade... e prometendo sigilo desta revelação... que mais me pareceu uma confissão... levantei-me, segurei-lhe ambas as mãos... e aproximei-me do leitor de cd... 
premi o botão play... e o som que logo brotou... the night... the danse society



quinta-feira, 17 de março de 2016



 em tempos > where's your gravity? | david sylvian

num outro tempo...
num outro tempo que já terminou... e do qual tenho tanta saudade... porque é sobretudo aí que estão e permanecem as pessoas que tanto gostei... e que já não estão...
nesse outro tempo que não este... onde residem tantas e todas as pessoas que me foram familiares... e que agora já tanto estranho... 
é nessa distância que ficaram... num tempo que acabou... e para onde por vezes me projecto... na ânsia de reviver... os momentos que deixei fugir... agora tão preciosos e delicados... e tão impossíveis.
é como a música... que a memória tende a perdurar e... atraiçoa...
todas as melodias estão interligadas a um momento... preciso... e sempre que as recuperamos e ouvimos... somos inadvertidamente projectadas para esses lugares... onde residem essas pessoas... e esses afectos...
por isso a importância de algumas melodias em nós... sobretudo pela recuperação... da memória... 
se a memória não existisse... a importância seria nula... e todos os momentos e audições seriam novos momentos... e novas experiências...
e o mundo não se compadece... tudo esquece...
porque o tempo é tanto... e todo... 
demasiado para um ser humano... e aqui tanta e toda a gravidade...
e se oiço algo familiar... e possivelmente velho... logo a memória...
passei ontem por uma livraria... onde as colunas brotavam num tom muito delicado e quase surdo... o beyond the sun... do billy mackenzie... e as recordações logo dispararam..
esse gosto peculiar da minha mãe... que nunca deixou de me surpreender... associada à sua eterna boa disposição... e aquele sorriso familiar... que acabou... mas sempre recordo...
e a forma delicada e sensata... calma, sempre calma demais... com que o meu pai abordava as situações... os sons e os cheiros familiares das casas de família... mesmo o gosto e o paladar da comida...
tudo isso existe ainda em mim... como estas melodias a que recorro sempre que anseio e desejo e preciso de socorro... como o tranquilizante em que se torna o where's your gravity? do david sylvian...
que me embala qual soporífero em busca de um novo sonho... onde uma outra vida e realidade também existem... e onde eu existo e tudo o que me foi e torna familiar...







terça-feira, 15 de março de 2016

 

ausência > sacrifice | lisa gerrard + patrick cassidy


em momentos assim, como este tenho sempre dúvidas...
será presença... ou ausência...
a memória por vezes atraiçoa... porque tudo traz e devolve...
e quando a memória tudo revolve e nos traz... pessoas... momentos e pensamentos... fico assim, confuso... sem realmente saber... será ausência?... será presença?...
sinto estes momentos como reais... e no entanto estas pessoas já não existem mais...
a tangibilidade... a dimensão real dos sonhos... que tudo nos devolvem... e carregam...
será ausência... será presença...
ali tão perto... tão próximo... tão real... que simula a realidade... e confunde...
uma outra dimensão talvez... porque tudo contem...
as cores... os hábitos... os odores e cheiros familiares... os tons de voz que adormecidos.. se reconhecem... até mesmo os olhares... e os lugares...
o mais estranho mesmo é a memória das vozes... que nos são ainda tão familiares... e as expressões...
e assim sendo em ausência as pessoas existem... e vivem em nós... pelo tempo que nós próprios vivermos...
e essa presença esgotar-se-à no momento em também nós nos esgotarmos...
como uma melodia que baila e aparece em nós... 
como esta que agora mesmo recordo... e assim também oiço... lisa gerrard... sacrifice... 
e onde tudo e todos estão e cabem... e existem... e vivem... pela dimensão das nossas vidas e da minha própria memória... 




domingo, 13 de março de 2016

















esta estrada não vai para lado nenhum > over the wall | echo & the bunnymen


devagar... ou a divagar?...
pergunto eu...
a conversa da rapariga que apressada se cruzou na rua comigo... reveladora de todo o seu entusiasmo...
não era o tom da sua voz... alto, demasiado alto por sinal...
era sobretudo o entusiasmo... a forma exultada com que falava ao telemóvel com a amiga...
ó pá! não estás a ver... ele convidou-me para sair!...
a felicidade estampada no rosto... o entusiasmo da sua voz...
reveladora da importância daquele futuro encontro...
em certas idades é assim... ainda é assim...
deposita-se muita esperança... muita entrega... 
mais tarde... com outra idade, não... 
a idade e a experiência... sobretudo a sucessão de experiências... dão-nos outra visão...
do mundo. das pessoas...
já não se investe tanto... resguarda-se mais... existe uma tendência para as pessoas se defenderem... para a salvaguarda...
já ninguém pretende mostrar tudo... investir muito... tudo... demasiado...
nem o entusiasmo é o mesmo... 
existe um certo cuidado... evitam-se percalços...
a exposição é a necessária... apenas... não mais do que isso.
e como a música dos echo & the bunnymen relata... já ninguém arrisca... e salta o muro...
assim sendo... e com a imagem daquela rapariga entusiasmada que se cruzou comigo no meio da multidão... fico-me por over the wall...
até porque esta estrada não vai para lado nenhum... 


quinta-feira, 10 de março de 2016





















tranquilo > I should not dare | david sylvian


tranquilamente, é a forma como entendo e oiço esta música...
o david sylvian sempre foi assim... pouco ou nada mudou...
creio mesmo que a serenidade das suas melodias, com o passar do tempo... se tornaram ainda mais calmas e tranquilas... que não passivas.
o david sylvian sempre foi calmo... sereno... em todos os seus processos... sejam eles de índole musical... fotográfica... cinematográfica ou escrita...
as suas brochuras... livros... textos e imagens revelam sempre uma calma gratificante... inspirando uma segurança que poucos músicos conseguem transmitir...
ateste-se no gone to earth... disco editado no longínquo ano de 1986... e oiça-se por exemplo before the bullfight... de uma beleza serena... pacífica... numa voz calma e segura...
creio... sempre foi assim... apenas o peter hammill por vezes se lhe assemelha...
no entanto o peter hammill tem registos crispados... zangados... ferozes mesmo...
existe em ambos uma serena resignação... uma inspirada e inspiradora calma... 
desde o fim dos japan... essa estranha segurança invadiu todos os seus registos que se foram afastando da pop... e se tornaram eruditos. september é disso um bom exemplo... de tão simples e crua... a sua dificuldade e alcance... mesmo as imagens... a grafia e os textos adensaram-se e afastaram-se do comum ouvinte...
agora só ao alcance de poucos... os inconformados... os incomodados e até talvez os inseguros o seguiram...
e talvez o tenham compreendido...
mas como ele mesmo canta... I should not dare...
com uma obra tão sublime... não arrisca... quem sempre arriscou.
e acreditou.


quarta-feira, 9 de março de 2016






















incitamento à violência > killing for company | swans

assim só. apenas.
um incitamento à violência... um incitamento ao crime... seja lá o que isso for...
os swans quase sempre desafiaram as instituições... as constituições... as delegações...
para nosso gáudio sempre se comportaram... incomportáveis...
sempre existiram no limiar da razão... muito para além do que se convencionou chamar... razoável...
mesmo agora, mais velhos... o odor da subversão mantém-se... inalterado...
a subversão está lá... bem como a insatisfação... a raiva e a guerra à submissão...
sempre os conheci inconformados... pouco delicados... e sempre achei de louvar...
existe neles uma brutalidade... que no entanto integra uma sensibilidade evidente...
nem todas as pessoas os entendem... e assim sendo, tudo lhes passa despercebido...
mas os swans têm uma sensibilidade própria... mas latente...
a visão de um mundo puro... duro e agressivo... é o seu imaginário...
atente-se a greed... cop... filth... holy money... mas sobretudo em public castration is a good idea... e em the great annihilator... onde é visível um desconforto... um descontrolo mesmo para com a normalidade e as normas... 
quer o michael gira... e a jarboe sobretudo... têm na sua discografia individual a mesma verve... destilam raiva e aparente rancor...
e por vezes ouvir esta faceta dos swans... faz bem.
para termos consciência da sociedade como um todo. que não uno.



terça-feira, 8 de março de 2016



do silêncio > (music won't save you from anything but) silence | piano magic

é estranho... ou até talvez não.
como eu entendo o glen johnson...
a música em última instância apenas nos possibilitará a salvação ao silêncio...
de que o david sylvian totalmente discordará... bastará ouvir o seu registo approaching silence...
mas, como bem entendo o glen johnson...
das 2duas vezes que nos cruzámos... e conversámos... desculpa, mas interpretaste-me mal.
ou antes... fiz-me mal entender... não me fiz entender.
apresentou-me à angèle david-guillou como sendo o seu fan número 1um... 
puro erro... maior engano...
não tenho fans... nunca os tive... ou se calhar, os que tenho são demasiado óbvios para estar a revelar... logo não há segredo... cingem-se à minha esfera familiar...
não tenho fans... nunca o pretendi... mas as pessoas com quem me identifico... as que determinam coisas importantes para mim... acredita, sou severamente crítico... e exigente... não fan, que desculpa tudo por qualquer motivo...
sim, sou indelicadamente exigente... o perry blake que o diga... o nick cave infelizmente não me deu essa possibilidade... pena...
a anne clark também testemunhou o meu discurso crítico... porque exigente...
mas o mais mal-tratado foi... coitado... o perry blake...
especialmente aquando do seu terceiro concerto... 
os motorama... só porque vinham da rússia... achavam-se umas estrelas... cadentes?... incandescentes... correu-lhes mal o concerto na caixa económica operária... e disse-lho...
os the durutti column... são encantadores... ambos.
o vini reilly é estranha e extremamente introvertido... tímido, diria até...
o bruce mitchell... mais expansivo... mas igualmente reservado...
com pessoas assim sensíveis e delicadas... é impossível ser-se indelicado...
verdade que também nunca o mereceram... 
mas os piano magic... são fenomenais... sobretudo ao vivo...
mas faça-se silêncio... e até algum secretismo...
é que o glen johnson não deve saber que eu gosto da música que produzem... a sua e a dos piano magic... e a dos future conditional... e dos textile ranch... e dos silver servants...
agora fan... esqueçam... vou ali e venho já...





segunda-feira, 7 de março de 2016






















penumbra > anywhere out of the world | dead can dance

com os dead can dance foi sempre assim... uma irremediável cumplicidade... que remonta a 1984...
ou seja precisamente 30trinta e 2dois anos. 
o primeiro registo é de março... o homónimo álbum... e o 12doze polegadas garden of the arcane delights saiu em agosto do mesmo ano.
ambos os discos são impossíveis de ignorar... improváveis ou passíveis de evitar...
cai-se nas melodias dos dead can dance... assim mesmo enredado... tolhido pela força da música... e não se sai mais... jamais.
também não existe mais essa intenção... 
os dead can dance chegaram até mim... na sequência dos cocteau twins... que 2dois anos antes haviam lançado garlands e lullabies temporalmente espaçados em 2dois meses... precisamente.
dia 1um de setembro garlands e 1um de novembro o maxi-single...
assim sendo são demasiado familiares para não serem muito idênticos... o tempo não lhes permitiu que não semelhanças...
e se algumas dúvidas restassem... outubro de 1984 encarregar-se-ia de as desfazer....
com o surgir de it'll end in tears... dos this mortal coil... tudo se confirmava...
os dead can dance e os cocteau twins em uníssono... sintonizados... sincronizados...
a uma só voz... percorriam agora o universo da música pop... cúmplices...
e le mystère des voix bulgares... em abril de 1986... tudo consolidou...
era agora uma impossibilidade. ignorar ou fugir desta tensa rede que a 4ad subtilmente nos havia estendido... 
e desde então aqui permanecemos... e estamos...
aproximo-me da estante e sem hesitar retiro within the realm of a dying sun...
carrego no botão de play do leitor de cd... e logo surgem os primeiros acordes de anywhere out of the world...
afasto-me e penso... para quê tentar evitar ou fugir de melodias assim...
se de um grande amor não se foge... recua ou resiste...