quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

oiço nada > transit | pieter nooten





oiço nada > transit | pieter nooten


não oiço nada. 
não oiço nada. que se lhe compare.
esta música parece infindável... penetrar em todos os póros e recantos em mim.
são melodias assim, demasiado viciantes... que tudo preenchem e proporcionam...
o pieter nooten tem essa magia, essa destreza e capacidade... de nos obrigar a deixar tudo o que estávamos a pretender fazer... para simplesmente nos dedicarmos a tudo o que ele fez e faz.
nunca deixa no entanto de ser surpreendente... de nos surpreender...
mesmo que a eficácia e destreza se mantenham e permaneçam... sobretudo a sensibilidade e fragilidade... algo de inesperado surge e está lá... e gera um efeito de surpresa.
todas estas melodias são demasiado frágeis para carregar... mas envolvem-se em nós... entrelaçam-se e não nos permitem, a possibilidade sequer... de algo mais realizar. do que isso mesmo... escutar.
e obrigam a renunciar a tudo o que é e passa a ser supérfluo... transitório... efémero e desnecessário...
existe aqui uma delicadeza perene... que tudo transforma e toca...
existe nestas melodias uma fragilidade... uma sensibilidade e tristeza tocantes... 
embora as melodias sejam sempre poderosas e fortes... mas a melancolia que emana é e torna-se... um ciclo viciante... que nada permite...
oiço nada...
porque mais nada oiço...


terça-feira, 27 de dezembro de 2022

aos dez anos > the wait | ólafur arnalds



















aos dez anos > the wait | ólafur arnalds

aos dez, doze anos aconteceu eu desinteressar-me pela minha existência.
despegar-me.
desinteressar-me mesmo.
achar tudo tão diverso… tudo tão diferente…
achar-me tão invulgar… que sem interesse algum… nenhum.
e aí não mais liguei… desliguei-me.
isolei-me… e, dei-me bem.
habituei-me… e tudo se foi encaixando… enquadrando… e tornou-se estranhamente confortável.
e familiar.
 
por volta dos dez anos aconteceu eu desinteressar-me pela minha existência.
e simplesmente surgiu logo aí a desistência…
cedo percebi o desencanto… e a adversidade. sobretudo a finitude. e deixei-me ir, derrotado… desinteressado.
o próprio conceito de família esfumou-se… e também aí entendi…
o engano… a teatralidade que socialmente se vivia…
a mentira. o simples e inofensivo engano.
o engano que construía a mentira não era apenas a ausência de uma verdade, de uma força que eu acreditava que tudo unia…

e essa fortaleza que me rodeava aparentemente desmoronou-se... e a segurança em que me imaginava a crescer... seguramente desvaneceu-se... e fiquei mais só ainda. solitário nessa aparente calma que reinava e tudo informava... 

existia em mim um sentido de tranquilidade perfeita, embora mais tarde tenha descoberto que era simplesmente periférica…
a harmonia que eu tanto apreciava… era mais indiferença e indiferente do que alguma vez pude imaginar. era ingenuidade minha apenas…
havia efectivamente uma tranquilidade… e uma serenidade absolutas… deviam-se creio a um pacto estratégico… e mútuo de não agressão.

e mesmo agora que escreve e recordo estes episódios de uma adolescência estranha e serena... oiço ólafur arnalds... the wait... 
nesse lote dessas melodias que ajudam a sarar... e fazem companhia a estes pensamentos que fazem e constroem a minha vida... e por muito que custem... saram e cicatrizam as memórias que nunca se afastam... e ali permanecem... para um qualquer outro dia regressarem até mim... 
e eu sei dessa rotina... e aguardo... 
e com estes antídotos tento reviver... todos os momentos que uma vez já vivi...
e igualmente recordo a escrita de patrick autréaux na singulariidade das palavras... em que afirma que... escrever é ser levado ao lugar que gostaríamos de evitar...

aos dez anos...

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

assim só > pensive aphrodite | harold budd & clive wright





















assim só > pensive aphrodite | harold budd & clive wright

sim, eu sei.
a culpa é minha.
ponho-me para aqui a ouvir o harald budd... e simplesmente afundo-me. vou mesmo fundo, vou mesmo ao fundo.
mas aqui é tudo demasiado nobre e bom... e eu não consigo evitar, e entro, e avanço.
deixo-me ir, assim por dizer... e fico. nesse fundo isolado. nesse escuro onde me disconecto... e ali fico e premaneço.
permaneço nesse lugar sombrio que o harald budd tão bem sempre soube construir...
a solo... ou na companhia estratégica do robin guthrie... do john foxx... dos eno... o brian e o roger... do clive wright... os cocteau twins... e de tantos outros majestosos músicos que tão bela, serena e melancólica música souberam construír...

agora acabou, esfumou-se...
o harold budd já não existe... morreu há  2 anos... o que inviabiliza nova matéria musical... embora tenha deixado imensos discípulos... que mais não seja, um pouco, em todos aqueles que com ele colaboraram...
e o david sylvian ali tão perto... 

e quando se morre assim e deixa este enorme legado vivo... nunca se morre em vão...

ninguém > no one | the psychedelic furs



ninguém > no one | the psychedelic furs 



é espantoso...
como as pessoas se interessam... e desinteressam...
como se ligam e desligam.

como de repente e vindo do nada... se conectam... e fundem...
e questionam... e aprofundam... e obviamente se interessam... e intervêm...
e conseguem manter um diálogo e uma ligação... quase familiar e por vezes até diária...
e entra-se num novo estado... um ciclo quase familiar onde tudo se torna rotina...

constroí-se uma cumplicidade...
alimenta-se uma verdade... acredita-se e imagina-se... e idealiza-se...
há parcerias... alegrias... por vezes até fobias...

é espantoso...
como as pessoas se interessam... e desinteressam...
como se ligam e desligam.
como se conectam e desconectam... ou não fossem todos seres humanos...
bastava-nos ser simplesmente animais, para ser melhor...
não deixa de ser espantoso...


sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

ano fatídico > falling | julee cruise


ano fatídico > falling | julee cruise 


falling...
failing.
este ano de dois mil e vinte e dois tem sido perverso... sobretudo adverso para os que gostam do eterno twin peaks... de david lynch.
em junho perdemos a julee cruise... agora mesmo o angelo badalamenti...
ambos estratégicos e peças fundamentais nesses idos anos de 80... em que surgiu a mais interessante e intrigante série televisiva até aí vista.
e estranhamente ou não... sobretudo pela ausência de escolha e diversidade... 
tornou-se estranhamente popular. e consensual. 
pese embora o facto de imensas pessoas a terem visto e acompanhado... simplesmente porque não havia então mais nada para ver. não havia escolha, porque não havia alternativa.
e são esses mesmos personagens fascinantes que agora se perdem e evaporam... 
e isso muda muito... porque em certos casos muda tudo.
e mais uma vez... como em todas as vezes, restam e ficam as memórias.

falling...
failing...
ano fatal... ano fatídico.


segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

falta pouco > head in a cave | swallow













falta pouco > head in a cave | swallow


já falta pouco.
falta um mês. apenas isso.
para efectuarmos a mudança... de novo, a mudança.
desta vez mais radical. diferente.
muda tudo. 
mudam as pessoas... os hábitos... as rotinas... o lugar.
sobretudo o lugar... mas igualmente a escale e a dimensão. do espaço. da casa.

de uma habitação demasiado generosa... para muito pouco... quase nada.
a dimensão importa.
e eu, que nem nunca fui a favor de casas demasiado grandes... habituei-me.
espaços demasiado grandes tornam-se pouco... menos confortáveis...
mas demasiado pequenos... igualmente ou mesmo pior.

custa a mudança... sobretudo a transição.
os hábitos... custa, demora a habituação...
uma habitação não é uma casa... a nossa casa... sobretudo porque demora a habituação... as rotinas... os lugares, o conforto... mesmo os vizinhos e a vizinhança. 
a vizinhança faz os hábitos... traz e constrói as rotinas.
e aqui dificilmente me irei identificar... me irei rever. 

muda-se assim de casa, para uma nova habitação...
que um dia espero poder também chamar de casa.




 

outra vez > cut | low













outra vez > cut | low


ultimamente havia-me afastado um pouco deles... não os escutava tanto como antigamente.

perdera inclusivamente o rasto às suas novas publicações.
não sei há quantos discos isso vinha acontecendo. 
sei no entanto que por vezes nos escaparates das discotecas me confrontava com novos registos seus. mas a chama que anteriormente tanto me apelava para a audição dos seus registos... havia-se esfumado... não sei exactamente porquê. ou até talvez saiba.
o seu registo inicial foi tão forte e avassalador... provocou um impacto tão grande em mim... que todos os que lhe sucederam... foi-lhes impossível igualá-lo, muito menos superá-lo.
e a assunção dessa realidade fez-me ficar lá atrás, no passado... nesse passado que eu idealizara... retornando sempre a esse primeiro registo... de seu nome, I could live in hope...

obviamente que estou a falar dos low... e da recente morte de mimi parker... 
vem isto a propósito da partilha do post de zak sally... em sua memória e homenagem... num texto pungente... doloroso e comovente, onde perpassa a vida em comum dos low...
diria que mesmo sem recorrentemente os escutar... sei que me irão fazer falta... como sempre faz falta quem cria e constrói simbolicamente algo de bom. muito bom neste caso específico...
dúvida alguma não me resta. nenhuma.