sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

um ano > halloween | robin guthrie + harold budd



um ano > halloween | robin guthrie + harold budd


o ano termina hoje. 
finda mais um ano estranho e diverso do que estamos habituados.
o ano termina hoje. e tendemos a acreditar que se fecha este ciclo... viral...

e com ele termina inevitavelmente também menos um ano da nossa vida.
celebra-se o novo ano um pouco por toda a parte...
provavelmente pouco cientes de que abatemos um ano inteiro na nossa finita existência... e celebramos.

o ano acaba hoje. 
e com ele acaba por também acabar menos um ano da nossa existência. e celebramos.

não acrescentamos. simplesmente subtraímos. 
em suma... acaba por tudo acabar.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

como num sonho > waiting to land | july skies








como num sonho > waiting to land | july skies


como tudo pode ser tão sereno. tão simples e tranquilo.
como tudo devia ser... calmo e simples. e no entanto.
tudo e todos tendem... a complicar. a confundir... a exagerar.

se possível devemos esquecer que o mundo é redondo...
que a terra gravita em torno do sol...
olhar para o horizonte... e saber... 
que nenhuma coisa pode estar em dois lugares ao mesmo tempo... não poderá?

se possível devemos tornar a nossa mente e o nosso espaço numa fortaleza...
ter imaginação para ver uma nave espacial a flutuar através de uma caixa de ovos em cartão...
sonhar com jogos e vidas que apenas nós entendamos...
pintar e riscar desenhos alheios... e sobretudo nunca nos preocuparmos com a qualidade dos nossos próprios...

se possível devemos tomar o rumo norte... quando todos se viram e caminham em direcção ao sul...
encurtar a distância entre os sonhos e a realidade...
tentar mapear todos os caminhos que nos são desconhecidos...
descobrir e desbravar novos fronteiras e horizontes nebulosos.

ter crença e acreditar na ilusão...
viajar para além do outro lado do espelho...
explorar o espaço atrás dos armários e roupeiros... 
regressar a uma inocência e infância...
esquecendo o próprio tempo... e tudo o que em si carrega e acarreta...

em suma viver como se de um sonho se tratasse... e trata-se.


nota: fazer-se acompanhar de waiting to land | july skies

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

retorno aqui > forever changed | harold budd



retorno aqui > forever changed | harold budd 

porquê?
questionarão alguns... porquê.
porque dedico tanto tempo a ouvir estas músicas... estas melodias, estes autores...
simplesmente porque são avassaladoramente tristes e belas na sua essência.
simplesmente porque a vida precisa de ambiências assim... para acompanharem todas as paisagens que vejo... e momentos que experimento.
estas atmosferas são e devolvem à memória... momentos... lugares... sobretudo pessoas que não existem mais. 
e essas pessoas e esses lugares... e momentos, preenchem as nossas vidas... e atribuem-lhes sentido... são fracções que consolam... e dão sentido.
e o sentido é tanto maior quanto mais consciência da fragilidade e efemeridade desses mesmos tempos.
porque tudo tem o seu tempo... e acaba.
existe música mais singular do que esta... do harold budd... do robin guthrie... do john foxx... mogwai... wim mertens e quejandos... que emoldure todas essas e estas lembranças e celebrações que se esfumaram e no entanto restam. porque ficam. habitam em nós... fracções e fragmentos de vivências comuns... 

seja criança naquela aldeia ainda sem luz da beira baixa... seja simplesmente numa tarde a passear na arriba fóssil lá no alto junto à praia na companhia do meu pai e do meu irmão... 
e todas estas memórias... todos estes momentos soam melhor, acompanhados de melodias assim... como esta que agora mesmo oiço... integrante de luxa... harold budd.

porquê...
perguntarão alguns... e tantos... e todos.
simplesmente porque basta... porque me basta.
existem melodias que tudo consolam e confortam... e ajudam a recordar...
sobretudo a amenizar... porque carregam e devolvem à memória momentos únicos que vivemos...

são reflexões calmas e serenas...
propícias à memória... e na recordação as imagens habitam e vivem...
as imagens surgem... e ajudam... enriquecem a vida já de si vazada...
e nesse vazio, os sons ecoam e constroem...
edificam a companhia... que apenas melodias assim conseguem proporcionar.
e isso basta.
a mim basta-me essa presença memorial...
já que todas as outras formas se tornaram há muito impossíveis.



segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

promessas por cumprir > given to dreaming | lowlife






















promessas por cumprir > given to dreaming | lowlife


prometi-lhe que lhe telefonava... mas não cumpri.
prometi-lhe que a levava a jantar. mas não cumpri.
nem sei bem porquê... mas nesse dia atrasei-me, sem necessidade diga-se...
talvez fosse já o meu subconsciente... a não desejar ir... não sei.
e este tipo de promessa... sobretudo as falhas e faltas, ficam para a vida...
sim, eu sei... não se deve falhar... sobretudo nestas circunstâncias... quando se havia prometido. 
nunca se deve falhar junto do sexo oposto... gorar expectativas...
aprendi-o há muito... efectivamente não me serviu de nada...

igualmente não sei... o porquê... 
o porquê de algumas bandas nunca terem alcançado... o êxito que mereciam... se é que lhe posso chamar assim.
os lowlife, creio... nunca procuraram a fama... era uma banda muito introspectiva e direccionada... a fazer lembrar os breathless... muito distantes do mainstream... focados em si mesmos...
o reconhecimento nunca importou... porque realmente não era importante.
a obra, essa ressentiu-se da ausência de êxito... talvez não.
no caso dos lowlife não se pode falar de êxito ou sucesso... essa nunca foi a intenção.
talvez daí surja o facto mais importante.
a sua música é tão melhor... por isso mesmo.
simplesmente por nunca terem desejado a popularidade e o reconhecimento.
a construção do seu mundo ao longo de 5cinco... 6seis álbuns... foi deveras eficiente...
porque o legado é igualmente tão importante quanto o dos joy division... and also the trees... ou cocteau twins...
basta conferir em permanent sleep ou diminuendo... 
composições como a sullen sky não estão ao alcance de muitos... antes, de muito poucos...
o desconhecimento... isso é outra história...

e enquanto aguardo... foi isso... foi isto que reflecti...
para ajudar a passar o tempo...
enquanto novamente a aguardo... nesta promessa vã de um novo encontro...
provável desencontro diria eu... 
com o tempo a passar... o restaurante próximo de fechar... o tempo a esgotar... 
novamente digo...

aprendi-o há muito... aprendi pouco...
afinal não me serviu de nada...

apenas isso > india | the psychedelic furs


 








apenas isso > india | the psychedelic furs


apenas isto.
uma vontade indómita de mudança.
de mudar. de tudo mudar.
até mesmo de partir. daqui.

para ali... onde nem sei sequer aonde fica.
ou se existe.
mas fica.
e imagino, fica para sempre. 

apenas isso.

rotina citadina > swallows and swifts | july skies





rotina citadina > swallows and swifts | july skies


ninguém podia não reparar.
com o vento o vestido de setim verde...
acentuava as formas e as curvas do corpo... era literalmente impossível não reparar...
junto da esquina onde a aragem se torna repentinamente corrente de ar mais forte...

mais acima... na esquina junto da minúscula loja de ferragens, o mesmo ritual de sempre aquela hora...
o barulho metálico e metódico na azáfama da recolha do material... 
o arrumar dos escadotes de alumínio... o início de mais um dia que se precipita e chega ao fim...
o empregado acelerado e vociferando os impropérios habituais...
o patrão no interior... sereno e bem mais calmo.

esta pode ser a melodia que carrego e acompanha estes meus percursos diários...
swallows and swifts... dos eternamente tranquilos july skies...




sábado, 18 de dezembro de 2021

por vezes > the night sky | july skies





por vezes > the night sky | july skies


por vezes é assim. assim mesmo.
não sei por onde começar. parece que a escrita me foge.
as letras e as palavras custam... demoram a surgir.
por vezes quero escrever e não consigo... simplesmente porque não tenho essa facilidade.

por vezes, muitas vezes é assim.
as ideias não fluem... as palavras não se agregam e constroem...
nada ganha ou faz sentido.
muitas vezes.
como agora mesmo... e assim sendo eu páro. não hesito e simplesmente páro.
aqui.
mesmo aqui. 



 

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

escutem > i asked for love | lisa gerrard & patrick cassidy



escutem > i asked for love | lisa gerrard & patrick cassidy

por vezes são melodias... discos assim que nos despertam...
deste entorpecimento diário em que vivemos...
e nos acordam. e satisfazem.
porque chamam e requerem a nossa atenção. e satisfazem.
e isso, creio... basta-nos.
e basta.

a música por vezes basta. basta-nos.
é suficiente. porque ajuda. e preenche.
preenche-nos de alegria... enche-nos de melancolia... sobretudo e independentemente do que se escuta... atesta-nos.
é um sentido e um sentimento estranho...
esse, de tudo apaziguar... de tudo conseguir alterar...

a música tem esse dom... esse condão.
de tudo parar. de tudo concentrar.
por vezes é mesmo necessário parar. para simplesmente ouvir.
a música quando é importante... pára. paralisa.
tudo em redor torna-se menor... sem importância.
e esta música da lisa gerrard é também assim. 
porque importa. 
porque é importante. e nada mais importa.
porque tudo transforma e transcende. 
e torna imenso e enorme.
e isso é o bastante... porque me basta.




domingo, 5 de dezembro de 2021

penso > broken heart | spiritualized






penso > broken heart | spiritualized


chove lá fora.
está uma luz estranha neste fim de tarde. amarelecida e pálida... 
vem-me à memória pedaços... fragmentos da conversa de ontem ao jantar...
diversas conversas... diversificadas opiniões.

mas igualmente algumas músicas que tenho escutado incessantemente.
posso falar de broken heart dos spiritualized... 
posso falar de alef de wim mertens... imagino que também q quarters dos the associates... 
até de noyalain de lisa gerrard... sodus dos eternos e fiéis cemeteries... e porque não donuts dos mogwai.  
são melodias circulares na minha vida... vão e vêm tal como o ciclo das marés... 
e o que as mantém perto de mim... é esse carácter sombrio que todas carregam e povoam... e no entanto tanto me ajudam.

penso...
não penso.
ainda chove lá fora...

popular mesmo > músicas para qualquer rádio




popular mesmo > músicas para qualquer rádio

pop de popular.
andei a ouvi o motorcycle emptyness dos manic street preachers e o getting away with it dos james. e não coro. 
simplesmente porque ão tenho vergonha alguma. nenhuma.
nenhuma mesmo, de ouvir pop deste calibre. 
são melodias viciantes e cíclicas... circulares mesmo, que nos prendem dias... tardes a fio.
e ontem foi assim.
pop... do mais pop, confesso.
e, acima de tudo soube-me bem.

e, não, não coro.







 

sábado, 13 de novembro de 2021

tudo > can you hear them sing? | cemeteries






tudo > can you hear them sing? | cemeteries


deixem tudo para trás.
deixem todos para trás.
ignorem.
esqueçam.
evitem sequer. recordar.

deixem. 
simplesmente abandonem. deixem.
não mexam... não remexam.
deixem.

deixem tudo.
mas mesmo tudo.
deixem mesmo tudo para trás.

deixem.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

no limiar do bom senso > alef | wim mertens





no limiar do bom senso > alef | wim mertens


este é o limite. até onde vou.
daqui não passo. este é o limite.
este é meu limite... o meu limiar.
daqui não passo. não avanço. não recuo.

daqui não passo.
não dou nem mais um passo. 
um passo que seja.
não avanço.
não recuo.
fico aqui, estático.
este é o limite.

o meu limite.


domingo, 7 de novembro de 2021

fotografias > tiny children | the teardrop explodes





fotografias > tiny children | the teardrop explodes

quantas fotografias tens de fazer para realmente fazer uma fotografia?
diz-me, realmente quantas fotografias tu tens de fazer, para fazer uma fotografia...
uma fotografia apenas... para realizar uma fotografia.
diz-me... quantas e tantas fotografias tens de realizar, para teres uma fotografia...

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

domingo, 31 de outubro de 2021

não devia ter vindo > music complete | new order









não devia ter vindo > music complete | new order


não devia estar aqui, não devia ter vindo... assim.
nem devia ter chegado, aqui.
mas a verdade, é que aqui estou.
e assim sendo, aproveito... 
aproveito para falar... e fico até um pouco incomodado... desconfortável até, talvez.
porque não falar de música, ao invés...
é sempre fácil partilhar, adicionar links... mais fácil, mais rápido. menos comprometedor...
é no entanto, mais interessante falar, dizer o que nos vai na alma...
é que não é costume. na música não é costume... falar.
falar-se assim de música e do seu silêncio também contido.

falo então dos newOrder... e das deliciosas melodias que produzem...
e não é fácil falar dos newOrder... embora por vezes pareça.
porque estarei a musicar a fala...
e nos newOrder toda a música nos absorve... porque tudo sintetiza.

o que dizer... o que posso dizer... desde o primeiro single o ceremony, que os acompanho.
os primeiros registos são serenos e até sofridos. que não sofríveis.
existia aqui uma serenidade intangível... soberba...
uma tranquilidade que por vezes se imagina e deseja...
assim na distância. destes 35 anos que entretanto se passaram muito aconteceu.
e alguma música resistiu, sublime.
o novo disco já não era aguardado... 
após tantas incidências... tantas dissidências... surge agora.
confesso. não é de longe um grande disco.
mas já os seus antecessores também não o foram.
desde technique que os newOrder já não mostravam um apuro...
existiam sim... melodias soltas... pontualmente interessantes.
o get ready é um bom exemplo disso...
mas, e o que dizer de music complete...
é estranho. o baixo do peter hook já lá não está... tentando estar...
as músicas soam estranhas... por vezes roçam até o disco-sound... com coros tipo supremes... mas também há melodias maiores... povoadas com os fantasmas dos kraftwerk... fortes... e seguras. eficazes mesmo.
o imaginário permanece lá... mesmo com a erosão do tempo...
a trilogia unlearn this hatred... the game... superheated... é disso exemplo.
e perante a mudança de editora, permanece o design do peter saville... que se mantém fiel a si mesmo.
a capa é tudo menos anónima... aliás como todas as capas dos newOrder de peter saville...

mas não digam nada, eu sei...
sim, eu sei. não devia ter vindo.
não devia estar aqui.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

já aqui tinha estado > where does a body end? | swans









já aqui tinha estado > where does a body end? | swans


já aqui estive, estou certo... seguro disso.
posso afirmá-lo, sem ponta de dúvida. nenhuma.
uma vez sei-o de viva voz.
quando vim ver o concerto do michael gira... e até dialogámos um pouco após o mesmo... dado que ainda conservo uma página a4 com o texto impresso de uma das letras das músicas que ele cantou. qual? 
já não sei qual... só o saberei dizer se for tentar encontrar o dito papel... onde a letra está impressa, e onde o michael gira atenciosamente colocou a sua assinatura.
fui ver esse concerto... acústico diga-se... pouco propício a certas melodias dos swans e do próprio... mas até foi engraçado... que não interessante.
bem, dito de outro modo... não foi desinteressante... mas igualmente não foi desengraçado.
obviamente falo de uma sala de espectáculos... uma sala de teatro... onde por vezes todas as atenções se concentram e tudo acontece... seja no til ou o tac... 

e foi aí... nesse mesmo cenário... 
nesse mesmo palco que agora diariament piso e converso e atento escuto e vejo.
observo sobretudo as sombras... e o escuro.
a intensidade do escuro por oposição...
reparo agora mais no contraste... por oposição à luz directa...
fixo-me nas sombras e penumbras... e percorro vagarosamente o palco no escuro...
agora sei...
estou certo, de já aqui ter estado...


domingo, 17 de outubro de 2021

a questão que se põe > and the question remains | big hard excellent fish




a questão que se põe > and the question remains | big hard excellent fish

somos assim. mesmo que por vezes não o desejemos...
somos cíclicos e repetitivos. previsíveis mesmo.
somos seres rotineiros... com vícios e manias... quotidianos...
mas sobretudo temos tendência a nunca mudar... 
antes pelo contrário, a tendência é tudo agravar-se... os vícios, as rotinas... o quotidiano demasiado óbvio e previsível... 
o tempo e a idade tudo gastam... tudo desgastam.

afirmo sem problema algum. nenhum.
reparo pouco nas pessoas... poucas me interessam. 
pouco me interessa a vida alheia... as rotinas, no fundo lá está, o quotidiano...

verdadeiramente isso não me interessa.
isso nunca me interessou... sinceramente nunca me interessou.
interessou-me aqui e ali o momento... a situação. específica.
por vezes a fragilidade que se constacta... e singularmente vem ao de cima...
neste caso específico interessou-me a pessoa... talvez até o momento e a dinâmica.
interessou-me a pessoa... nunca a situação. 

é literalmente como na música.
interessa-me a música em si... o universo que se pretendou construir...
interessam-me as palavras que se soletram e dizem... mesmo o modo como se dizem.
interessam-me as vozes... o som que produzem... nunca a qualidade do canto...
e isso inevitvelmente faz com que melodias, digo-o eu... 
como and the question remains... imperfect list... dos big hard excellent fish... ou born, never asked de laurie anderson...

sintetizando e resumindo. 
a eterna questão que se põe...
and the question remains...
what is behind that curtain?...



o teles > cadenza | andrew poppy


 











o teles > cadenza | andrew poppy


conheci o josé teles há poucas semanas... um par delas, se tanto.
personagem solitária e simpática... impossível de não se reparar, mesmo neste universo de faz de conta... que todos os dias se ergue e abate, qual derrocada rotineira que constrói o quotidiano de todas estas figuras.
caótico e metódico... figura central dessa estranha peça de teatro... monólogo onde efectivamente três figuras surgem... mas apenas uma dialoga... as outras duas remetem-se ao silêncio.

o teles é um sancho pança mas igualmente o dom quixote desse mundo que todos os dias se ergue e constrói... todo um universo fantasioso que permite no escuro da representação... avivar o imaginário e despoletar o sonho de todos os espectadores...
alimenta-se desse universo que afável e diariamente ergue e remonta... quais peças de um puzzle memorizado, que permite esse automatismo laboral... mas que inevitavelmente tudo energeticamente consome... 
e vive nesse limbo e nessa aura, entre a boca de cena e a esperança de um palco que possa surgir idealmente para si... nas profundezas do sub-palco e bastidores onde tudo igualmente se passa e vigia... 
a luminosidade e o público que observa... mas também as sombras e o silêncio de quem de fora assiste... controla e vê...
com a idade essa ideia foi-se desvanecendo... e automaticamente se foi apoderando dos instrumentos próprios das montagens e desmontagens desses cenários que também são a vida... agora a sua.
obviamente formou-se na área... mas por um infortúnio... esse acaso que apenas permite por vezes, bastas vezes... aos menos dotados avançar... e assim sendo, cristalizou. 
aceitou. decidiu aceitar. a situação... não se rebelar...
tem o curso de teatro... logo é actor como todos os outros que serve... e seguiu igualmente cenografia... o que lhe permite uma enorme visão e liberdade de espírito... e essa sua formação permite-lhe dispor as coisas com o fim de iludir... ou não fosse ele mesmo mestre da encenação...

o que mais me chamou a atenção, foi sobretudo a sua sabedoria... mas igualmente a sua descontração e o carácter afável... a ausência de rancor... nunca agreste e amargurado como a maioria das pessoas que veem uma promissora hipótese... nunca se concretizar.

para mim o personagem central e maior daquela peça... 
onde para muitos outros não passa de um ignoto mero figurante...
e torna a rotina daquele espaço num emaranhado de luz e sombras, que em tudo recorda e faz lembrar essa melodia circular e viciante de andrew poppy... cadenza.



terça-feira, 5 de outubro de 2021

esperem tudo e nada menos (2) > rose | bark psychosis





















esperem tudo e nada menos (2) > rose | bark psychosis

o nervosismo é evidente. assim como o desconforto. 
igualmente perceptível na sua voz, uma suposta e improvável admiração...
não entendo, não consigo relacionar, de onde vem tanta insegurança...
já não é nenhuma criança... e no entanto não pára quieta... inquieta... as mãos incessantemente em movimento... na ânsia, a procura de qualquer objecto que as proteja e defenda... 
e esse constante movimento distrai e afasta, do cerne da conversa...
creio ser essa mesmo a sua intenção... não avançar, tentar não se envolver... comprometer...
simplesmente defender-se...

fico... sinto-me desconcertado... desconfortável mesmo. 
desconsolado.
imaginava de outra forma... sinceramente, imaginara tudo de uma outra forma...
imaginei tudo de outro modo... mais maduro, adulto... sobretudo mais seguro.
certo que não a via há uns bons anos... mas nunca imaginei esta diferença... esta distância... esta frieza, esta divergência... sobretudo esta insegurança...
decidira ir visitá-la onde actualmente reside... a viagem fôra longa... começou logo pela manhã...
pensei inclusive em levar-lhe uma cópia do son de mar dos piano magic... ou o codename: dustsucker dos bark psychosis... embora, confesso... este último fosse uma escolha mais arriscada...
se bem ainda a recordo e imagino, conheço... o que já começo a duvidar... o disco dos piano magic iria encantá-la... creio, assentar-lhe-ia que nem uma luva... agora tendo a duvidar...
os bark psychosis sempre foram mais livres e inesperados por assim dizer... nunca óbvios... e isso reconheço, por vezes provoca um grande transtorno na generalidade das pessoas... provavelmente pelo inesperado, pela impreparação mesmo.
os bark psychosis exigem disponibilidade e alguma maturação... e obviamente, tempo.
se não houver disponibilidade, não haverá lugar ao tempo.
e não se entra assim, de repente a frio... não é uma música imediata e demasiado fácil...
porque quando revemos o nosso passado e simplesmente ouvimos os bark psychosis, podemos esperar tudo e nada menos... e é uma música que exige responsabilidade... e atenção e dedicação.

assim sendo... meto discretamente a mão na mochila preta... e hesito...
evito presenteá-la com essa surpresa que lhe havia preparado... e devagar retiro a mão do seu interior... e disfarço... falo do tempo e de crianças... evito a vida pessoal...

não a sinto preparada...
nunca imaginei esta diferença... esta indiferença...
não me sinto preparado...





21 de setembro > richard h. kirk













21 de setembro > richard h. kirk


jamais irei esquecer este dia. 21 de setembro de 2021.
o dia em que richard kirk morreu.
soube da triste e inesperada notícia ao fim da tarde... provavelmente pouco depois da sua morte.
o site da mute anunciava a sua morte...
tudo me surpreendeu. sobretudo pelo momento, e pela sua idade... a sua prolífica actividade... mesmo as suas digressões e performances... ainda mais agora que havia voltado a encarnar a pele dos míticos cabs... e já três novos registos, álbuns diga-se em abono da verdade... haviam sido publicados... para além dos vastos registos electrónicos não "palpáveis"... nada fazia prever este desfecho. 
então ultimamente tanta actividade e energia... no reatar dos cabaret voltaire... 3 registos em tão pouco tempo... 

teve alter-egos e heterónimos em demasia, creio...
já que as diferenças musicais não eram assim tão evidentes...
a subtileza das abordagens musicais... se por vezes perceptíveis... como no caso dos sandoz... outras vezes tornavam-se quase imperceptíveis... de tão subtis...
os cabaret voltaire foram a casa-mãe... onde acidentalmente ou promonitoriamente no fim regressou...
sempre foram creio, o foco... o desígnio maior... principal.
que se começou a desmoronar aquando da saída de chris watson, o mais inconformado e marginal dos três elementos integrantes... que sobreviveu até à tendência mais pop da banda...
mais tarde... e após uma fase pop... electro... acid e mesmo funk... surgiu o abandono por parte de stephen mallinder... e a partir desse momento os cabs... obviamente desintegravam-se e deixavam de existir... pensava eu...
como estaria enganado...
existiram alguns concertos, tímidos e esporádicos... 
até que após anos prolifícos de alter-egos em catadupa... ressurgem os cabaret voltaire... e logo com concertos e 3 registos pouco ou nada espaçados no tempo...
tempo esse que finda agora... para sempre...
a electrónica no entanto, persiste...



terça-feira, 14 de setembro de 2021

canções de facto > mojave 3 e o rádio



canções de facto > mojave 3 e o rádio


não confundam. 
não se confundam. sim, são ambas tranquilas, deliciosas e muito viciantes.
mas volto a dizer, não confundam...
não se devem confundir, embora apresentem semelhanças. bastantes. imensas.

love songs on the radio dos mojave 3... é uma melodia encantatória... muito da linha sequencial dos slowdive... com a voz da rachel goswell numa entrega serena e calma... como sempre o foram as melodias dos slowdive. e convem relembrar que estes mojave 3 surgem exactamente na sequência do fim dos slowdive (primeira encarnação).
songs they never play on the radio do james young segue o mesmo registo... tranquilo e melancólico... numa temática idêntica... onde predomina a reserva intimista... mas que igualmente confronta os músicos em geral com a qualidade orgânica das suas melodias... e a necessidade implícita da exposição e popularidade das mesmas... nomeadamente o factor rádio... e o fantasma dessa mesma exposição... logo, repercussão... logo popularidade. 

deixem-me tranquilizar-vos...
acredito na ironia deste mesmo destino...
não canções fantasma... porque fantásticas... 
e a sua exposição... rondará mesmo, acredito... a nulidade.
simplesmente porque falamos de registos de excelência... verdadeiras canções de facto.
e isso, creio... basta.

porque os ouvintes não estão mais interessados em ouvir...
e isso desgasta...

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

esferas > somesay | wah!










esferas > somesay | wah!

há um momento em que também tu terás de aprender a usar a dor para crescer... 
ou simplesmente usar a dor para sofrer. 

porque a dor está lá, esteve sempre lá, desde o momento em que nascemos.
apenas a começamos a entender a partir no momento em que acontece. e se torna irreversível. é prática comum. acontece com todos, acontece a todos.
a saudade cresce e assusta... ganha dimensão.
ganha uma proporção até aqui desconhecida... desmesurada... e cria-se e constói-se um vazio... um enorme vazio... 
e tudo o que resta está vazio... oco. onde não existe sentido, para nada.
o tempo torna-se lento... vagaroso... difícil de passar... de enfrentar.
a vida afasta-se e perde nitidez... porque existe uma real dificuldade em ver... em aceitar...
tudo ganha uma imensa dimensão... e é nesses momentos solitários que a frase proferida pelo pete wylie faz mais sentido...
ao meu redor todos se movem em círculos... eu movo-me em esferas...

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

apenas > tu eras apenas uma pequena folha | homem em catarse



















apenas > tu eras apenas uma pequena folha | homem em catarse

disseram-me que era aqui... que era no número 17.
este é o número dezassete, correcto?...
mas será mesmo aqui, interrogo-me...
não tem tanto ar de ser aqui... estarei enganado?...

quando te conheci, eras apenas uma pequena folha caída na calçada... indiferente... misturada com tantas e todas as outras folhas...
quando em ti reparei, sei-o... foi pelas piores razões...
imaginei a juventude... a distracção... a falta de noção... nunca, a irreverência...
verdade, não me enganei... nunca foste irreverente... apenas por vezes atrevida...

o que faz em nós... reparar nos outros que nos rodeiam...
para o bem e para o mal... mas sobretudo para o bem...
de onde viemos?...
para onde vamos?...
o que está ainda por criar?... quem somos nós?...




terça-feira, 7 de setembro de 2021

ver > planned obsolescence | prolapse



ver > planned obsolescence | prolapse


vi-te... não me viste.
sinto-me aliviado... sinceramente não saberia o que te dizer...
ainda para mais passou tão pouco tempo... desde essa tua dura separação...

ainda recordo as nossas longas conversas no café... tardes infindáveis...
sabes, o que gosto sempre é a situação... costumavas dizer sempre, segura de ti mesmo...
a situação pode ser complicada. pode ser perigosa... 
retorquia-te por vezes eu... certo de tudo se pode complicar e precipitar...
estás a fazer-me um interrogatório... não mereço... posso mesmo imaginar a tua cara de desaprovação...
e quando questionada, para surpresa dizias... sabes, por vezes fumo... fumo muito... chego a fumar demasiado... acalma-me...
mas pouca gente sabe... imagina... fumo apenas na minha intimidade...

o que te deixa nervosa?... questionei...
coisas... respondeste alheada já da nossa conversa...
e do nada afirmaste... daqui a nada é carnaval...
por vezes as conversas eram absurdas... incoerentes... embora tu lhes tentasses dar sentido...
algum sentido que fosse... nenhum, diria eu...
apeteceu-me convidar-te para ir ao cinema... ver um filme ou outro que sabia... irias gostar...
pensei em malcolm & marie... ou mesmo em diana... 
vês, tudo filmes estranhos com nomes próprios... mas hesitei...
e em silêncio fiquei a ver-te afastar... a ver-te partir...

mesmo assim gostei de te rever...

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

setembro > tempo de david sylvian


setembro > tempo de david sylvian


chegou setembro. 
como chega sempre, discreto... mês calmo, que sucede o reboliço das férias de quase todos...
e setembro é invariavelmente tempo de ouvir david sylvian... ou não existisse em setembro uma magnífica canção chamada september...

the sun shines high above
the sound of laughter
the birds swoop down upon
the crosses of old grey churches
we say that we're in love
while secretly wishing for rain
sipping coke and playing games

september's here again
september's here again

chegou novamente setembro...

terça-feira, 31 de agosto de 2021

vizinhos > everywhere | cranes






















vizinhos > everywhere | cranes

perdemos qualidade, sobretudo perdemos companhia...
o êxodo que se está a verificar neste edifício... em nada abona a nosso favor.
só no último mês perdemos duas famílias... acima de tudo cinco crianças...
e com a perda de tantas crianças... obviamente o prédio emudece...
deixámos de as ouvir chorar... de as ouvir falar e rir...
perdemos o ritual dos banhos e alegres gritarias... deixámos de ser tantos...
e ao sermos menos... ficámos mais pobres enquanto vida colectiva.

fazem-nos falta vizinhos... que deem vida cúmplices aos saguões...
que de tão calados reflectem a ausência... e o vazio que se instala.

perdemos os vizinhos... que se mudam e afastam...
e o grande edifício emudece... e envelhece.
o silêncio custa... as rotinas e a cumplicidade esgotam-se... e tudo se esvazia.
nas escadas e elevador... já não se encontra alguém. 
encontra-se ninguém.
o prédio tem tendência a esvaziar-se... e um dia ficará vazio... e outras pessoas virão... e habitarão estes mesmos espaços de uma outra forma que não esta...

perdemos qualidade...
sobretudo porque perdemos pessoas...
perdemos qualidade...
porque perdemos quantidade... perdemos vida e humanidade...