o novo vizinho > through the screen | ólafur arnalds
tenho uns vizinhos novos.
na realidade tenho todos os vizinhos novos... dado que eu sou o novo inquilino, o novo vizinho.
vizinho como a senhora idosa do rés-do-chão direito se me refere, sempre que me cumprimenta.
e assumo... não são assim tantos os vizinhos, embora alguns de hábitos estranhos...
as casas são pequenas... demasiado pequenas, e as pessoas fazem dos espaços exteriores, verdadeiras extensões das próprias habitações...
tenho referenciado muitas casas devolutas... vazias... sem vida aparente. e algum descuido ou desleixo...
e outras que preferia ver devolutas... como a família que habita por baixo de nós... e passa os dias a gritar com os filhos... dizendo impropérios, pouco próprios para crianças daquela idade... ou até mesmo para pessoas civilizadas, dado que muito ofende e incomoda... sobretudo porque é demasiado ofensivo para os miúdos... e lá está, já estive disposto a ir-lhes bater à porta e confrontá-los com essas reacções e conduta... mas, hesito e evito... afinal sou o vizinho novo e ali sei que irei fazer certamente má vizinhança...
não pagam o condomínio desde tempos imemoriais... mas têm dois carros novos e uma mota... e mal tratam os filhos, sobretudo quando se ofendem mutuamente na presença destes...
a ver vamos, até onde aguento... até onde me contenho.
especialmente pelo meu bem estar e sanidade mental, mas sobretudo pela violência exercida sobre as crianças...
obviamente que irão ser castigados com as minhas melodias estranhas... agora que o meu equalizador regressou finalmente ao activo...
que mais posso dizer... que há um pouco de tudo...
há uma vizinha nervosa que com frequência vem à varanda fumar cigarros apressados... um funcionário municipal cuja casa aparenta ser uma lástima... mas tem dois carros religiosamente imaculados... que invariavelmente aspira e lava ao fim de semana...
um narcisista provavelmente adepto de nudismo... que fica tempos incansáveis a fumar e a ouvir, imagino, música nos headphones pretos... semi-nu, a contemplar-se no seu reflexo nos vidros da varanda...
no segundo esquerdo uma viúva de cabelo vermelho... cujo sentido de orientação deve ser nulo... e que, igualmente imagino... faltou sempre às aulas de geografia... dada a forma como sistematicamente dispõe e orienta o pára-sol no vidro do seu pequeno carro...
e depois há os vizinhos do rés-do-chão... esforçados e cujas vidas obviamente se circunscrevem aqui. a este lugar, a este quarteirão, a este fragmento de rua...
a forma como utilizam o espaço público é notável...
fazem das zonas verdes os seus próprios jardins... das escadas e muretes os seus melhores assentos... vivem conectados com todo o tipo de animais... e têm uma gata imaculada e personalizada... e um cão visivelmente adverso a água...
sim, depois há o ruca... o faísca, como lhe chamo... que notoriamente não me passa cartão algum... mas que é o elemento mais popular de todas as redondezas...
sai cedo, faz vida na rua e tardiamente regressa a casa...
conhece e reconhece toda a populaça... e que uma semana, por breves momentos se apaixonou por uma pequena cadela da rua das traseiras...
mas isso são outras histórias desta nossa nova estória...
tal como a merda do smart cor de rosa pastel que desde sempre aqui permanece estacionado
e o que realmente apetece...
é pegar-lhe fogo, para o ficar a ver lenta e integralmente consumido pelas chamas, mais aquela tonalidade ofensiva...