quinta-feira, 29 de junho de 2023

o novo vizinho > through the screen | ólafur arnalds






















o novo vizinho > through the screen | ólafur arnalds

tenho uns vizinhos novos.
na realidade tenho todos os vizinhos novos... dado que eu sou o novo inquilino, o novo vizinho.

vizinho como a senhora idosa do rés-do-chão direito se me refere, sempre que me cumprimenta.
e assumo... não são assim tantos os vizinhos, embora alguns de hábitos estranhos...
as casas são pequenas... demasiado pequenas, e as pessoas fazem dos espaços exteriores, verdadeiras extensões das próprias habitações...
tenho referenciado muitas casas devolutas... vazias... sem vida aparente. e algum descuido ou desleixo...
e outras que preferia ver devolutas... como a família que habita por baixo de nós... e passa os dias a gritar com os filhos... dizendo impropérios, pouco próprios para crianças daquela idade... ou até mesmo para pessoas civilizadas, dado que muito ofende e incomoda... sobretudo porque é demasiado ofensivo para os miúdos... e lá está, já estive disposto a ir-lhes bater à porta e confrontá-los com essas reacções e conduta... mas, hesito e evito... afinal sou o vizinho novo e ali sei que irei fazer certamente má vizinhança... 
não pagam o condomínio desde tempos imemoriais... mas têm dois carros novos e uma mota... e mal tratam os filhos, sobretudo quando se ofendem mutuamente na presença destes...
a ver vamos, até onde aguento... até onde me contenho. 
especialmente pelo meu bem estar e sanidade mental, mas sobretudo pela violência exercida sobre as crianças...
obviamente que irão ser castigados com as minhas melodias estranhas... agora que o meu equalizador regressou finalmente ao activo...

que mais posso dizer... que há um pouco de tudo... 
há uma vizinha nervosa que com frequência vem à varanda fumar cigarros apressados... um funcionário municipal cuja casa aparenta ser uma lástima... mas tem dois carros religiosamente imaculados... que invariavelmente aspira e lava ao fim de semana...
um narcisista provavelmente adepto de nudismo... que fica tempos incansáveis a fumar e a ouvir, imagino, música nos headphones pretos... semi-nu, a contemplar-se no seu reflexo nos vidros da varanda... 

no segundo esquerdo uma viúva de cabelo vermelho... cujo sentido de orientação deve ser nulo... e que, igualmente imagino... faltou sempre às aulas de geografia... dada a forma como sistematicamente dispõe e orienta o pára-sol no vidro do seu pequeno carro...
e depois há os vizinhos do rés-do-chão... esforçados e cujas vidas obviamente se circunscrevem aqui. a este lugar, a este quarteirão, a este fragmento de rua...
a forma como utilizam o espaço público é notável... 
fazem das zonas verdes os seus próprios jardins... das escadas e muretes os seus melhores assentos... vivem conectados com todo o tipo de animais... e têm uma gata imaculada e personalizada... e um cão visivelmente adverso a água...
sim, depois há o ruca... o faísca, como lhe chamo... que notoriamente não me passa cartão algum... mas que é o elemento mais popular de todas as redondezas...
sai cedo, faz vida na rua e tardiamente regressa a casa...
conhece e reconhece toda a populaça... e que uma semana, por breves momentos se apaixonou por uma pequena cadela da rua das traseiras...
mas isso são outras histórias desta nossa nova estória...

tal como a merda do smart cor de rosa pastel que desde sempre aqui permanece estacionado
e o que realmente apetece... 
é pegar-lhe fogo, para o ficar a ver lenta e integralmente consumido pelas chamas, mais aquela tonalidade ofensiva...



segunda-feira, 26 de junho de 2023

sabes > after cease to exist | throbbing gristle





sabes > after cease to exist | throbbing gristle


sabes do que eu gosto? 
do que eu mais gosto?...

sabes do que é que eu gosto...
gosto da tristeza... da melancolia... da solidão.
do isolamento. 
sobretudo na música... gosto da desilusão... da ilusão, mesmo da mera esperança.
é assim que oiço o que oiço... 

ainda hoje recordo a vez de em londres ter o heathen earth dos throbbing gristle nas mãos... e ao olhar para a capa, não ter nem por um momento hesitado...
e ainda hoje inevitavelmente o tenho e oiço.

não, não precisam de me recordar... sei de cor a frase impressa na frente da capa...
"...can the world be as sad as it seems?"

a inevitabilidade > reclaim | ólafur arnalds









a inevitabilidade > reclaim | ólafur arnalds


é inevitável, todos nós o sabemos.
mais cedo ou mais tarde, haveremos de morrer.
assim sendo e por cautela, estou já a adquirir prendas de natal para os meus filhos.
comprei já dois exemplares de um natal de truman capote que encontrei numa velha livraria de subúrbio... e até já estão carimbados para a ocasião. têm os respectivos nomes e dizem simplesmente... natal 23.
tenciono igualmente presenteá-los com o não pai do daniel blaufuks... e creio, ambos se enquadram na minha perspectiva de memória.
a vida é demasiado curta, para não deixarmos um legado... um registo nas pessoas que nos foram significativamente muito importantes.
o meu pai que já me morreu há mais de trinta anos... habita em mim... e sempre que familiarmente surge a oportunidade, vive através de mim e das memórias comuns... e assim surge e o dou a conhecer a quem inevitavelmente já não o pôde conhecer.

e o que têm em comum estes dois livros do truman capote e do daniel blaufuks... perguntarão alguns...
ambos têm memórias feridas... só assim esses registos existem... e têm igualmente uma sensível solidão e afastamento... essa distância que nos permite provavelmente já ver sem mágoa... com uma lucidez desconcertante... 
a importância da ausência... que talvez até mais perturbe o quotidiano... 
esse incómodo distanciamento em idades sensíveis... que jamais nos abandonarão... e determinam em parte o nosso futuro... condicionados a esse nosso passado...

são livros belos e contemplativos... descarnados e sensíveis...
que obviamente preencherão bem qualquer serão natalício...

assim sendo, adquiro já algumas prendas para um natal que lá longe se adivinha...
ciente de que mais vale prevenir... do que não ter remédio...
sim, porque como todos sabemos... 
é inevitável, todos nós o sabemos.
todos, um qualquer dia... mais cedo ou mais tarde, teremos de morrer.